terça-feira, 30 de novembro de 2010

Rio de sangue e um mar de erros

Reproduzo artigo de Gerardo Xavier Santiago, advogado, postado no Psicoblog

Mais uma vez mais a cidade do Rio de Janeiro sofre um surto de violência. Para a maioria, aparentemente a causa disso é somente a atuação de grupos criminosos e a solução é incrementar a repressão. As ferramentas adequadas são os “caveirões” e os tanques de guerra da Marinha. E para garantir o sucesso da empreitada repressiva é preciso endurecer a legislação criminal, reduzir a maioridade penal e tornar o regime prisional ainda mais severo. Será mesmo? Ousamos dizer que não, que a maioria está errada e que o preço desse erro é terrível e se paga em sangue.

Está errada a ideia de que a questão da criminalidade pode ser enfrentada como uma guerra no sentido literal da palavra, ou seja, em termos militares. Ao contrário do enfrentamento entre duas ou mais forças armadas, no qual o objetivo é a eliminação ou neutralização física do inimigo, a criminalidade é um fenômeno social, existente em maior ou menor grau em todas as sociedades, e como tal não é passível de eliminação ou neutralização pela ação de forças militares. Não é uma questão de serem tais forças bem equipadas e comandadas, mas sim de que nenhuma ação militar pode resolver o problema, assim como nenhuma ação militar resolverá o problema do aquecimento global ou a crise econômica, por exemplo. Simplesmente não é a abordagem correta.

O que fazer então? Certamente que o domínio territorial de comunidades carentes por bandos armados não é aceitável, mas a primeira preocupação deve ser sempre a de preservar a vida humana, o que não parece ser o caso no presente enfrentamento, que já produziu trinta e cinco mortos até o momento em que estas linhas são escritas. Como sempre nessas ocasiões, a polícia diz que todos eram bandidos, a mídia aceita a versão sem questionar e a opinião pública aplaude, numa catarse de ódio e através de um ritual de linchamento virtual que ameaçam muito mais os fundamentos do Estado democrático de direito do que a ação do brancaleônico “exército” de jovens negros descamisados empreendendo a sua patética e atabalhoada “longa marcha” entre a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão.

O que está na origem de toda essa tragédia é o erro estratégico que é a denominada “guerra às drogas”. Trata-se de uma política criminal falida em nível global, que consiste em tentar eliminar um fato social e cultural, que é o uso de certas substâncias, através da lei penal, criminalizando a produção, distribuição e consumo delas.

Após décadas de operações militares como essa na Penha e no Alemão, as drogas continuam aí e vão continuar pelo horizonte temporal visível. Hoje elas são mais acessíveis e mais baratas do que no início da “guerra” contra a sua existência. O número de mortos gerados pela proibição das drogas é muito superior ao número de mortos pelo abuso de drogas. No México, que é o Complexo do Alemão dos EUA, quase trinta mil pessoas morreram desde 2006, quando o governo local fez a opção militar para enfrentar os cartéis de traficantes. É isso que queremos ver acontecer aqui no Brasil?

A única solução estrutural para a crise da segurança pública é mudar a política criminal. Colocar um ponto final a essa insanidade que é a “guerra às drogas”. Legalizar imediatamente a maconha, que é de longe a substância proibida mais usada, e mudar o foco em relação às outras drogas, trocando a ótica policial pela ótica da saúde pública. Parar de gastar o dinheiro dos contribuintes em imensos aparatos repressivos corrompidos e ineficazes, e direcionar esses recursos para campanhas educativas, clínicas e investimento social nas comunidades carentes hoje dominadas por criminosos.

A legalização seria o verdadeiro golpe mortal aplicado no narcotráfico, pela simples razão de que o privaria de sua inesgotável fonte de recursos financeiros, que vem a ser a receita com a venda de drogas. Sem esse fluxo de caixa não existiria para os criminosos a possibilidade de manter a sua onerosa estrutura paramilitar.

Responsabilizar os usuários de drogas pelos atos dos traficantes é ridículo, fazendo um paralelo histórico isto equivale a responsabilizar os cidadãos de Chicago que não cumpriram a absurda proibição de tomar uma cerveja pelas atrocidades de Al Capone. Essa abordagem moralista que mais uma vez é reproduzida na mídia, sem que se dê espaço ao contraditório, merece o mais firme repúdio. No mundo real, a verdadeira opção é pelo fim da “guerra às drogas” ou pela barbárie. Quanto mais burra a unanimidade e mais unânime a burrice, mais importante fazer o contraponto.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Todos os dias o povo come veneno

Reproduzo artigo de João Pedro Stedile, integrante da coordenação nacional do MST, publicado no sítio da Adital:

O Brasil se transformou desde 2007, no maior consumidor mundial de venenos agrícolas. E na ultima safra as empresas produtoras venderam nada menos do que um bilhão de litros de venenos agrícolas. Isso representa uma media anual de 6 litros por pessoa ou 150 litros por hectare cultivado. Uma vergonha. Um indicador incomparável com a situação de nenhum outro país ou agricultura.

Há um oligopólio de produção por parte de algumas empresas transnacionais que controlam toda a produção e estimulam seu uso, como a Bayer, a Basf, Syngenta, Monsanto, Du Pont, Shell química etc.

O Brasil possui a terceira maior frota mundial de aviões de pulverização agrícola. Somente esse ano foram treinados 716 novos pilotos. E a pulverização aérea é a mais contaminadora e comprometedora para toda a população.

Há diversos produtos sendo usados no Brasil que já estão proibidos nos países de suas matrizes. A ANVISA conseguiu proibir o uso de um determinado veneno agrícola. Mas as empresas ganharam uma liminar no "neutral poder judiciário" brasileiro, que autorizou a retirada durante o prazo de três anos... e quem será o responsável pelas conseqüências do uso durante esses três anos? Na minha opinião é esse Juiz irresponsável que autorizou na verdade as empresas desovarem seus estoques.

Os fazendeiros do agronegócio usam e abusam dos venenos, como única forma que tem de manter sua matriz na base do monocultivo e sem usar mão-de-obra. Um dos venenos mais usados é o secante, que é aplicado no final da safra para matar as próprias plantas e assim eles podem colher com as maquinas num mesmo período. Pois bem esse veneno secante vai para atmosfera e depois retorna com a chuva, democraticamente atingindo toda população inclusive das cidades vizinhas.

O Dr. Vanderley Pignati da Universidade Federal do Mato Grosso tem várias pesquisas comprovando o aumento de aborto e outras conseqüências na população que vive no ambiente dominado pelos venenos da soja.

Diversos pesquisadores do Instituto Nacional do Câncer e da Universidade federal do Ceara já comprovaram o aumento do câncer, na população brasileira, conseqüência do aumento do uso de agrotóxicos.

A ANVISA - responsável pela vigilância sanitária de nosso país -, detectou e destruiu mais de 500 mil litros de venenos adulterados, somente esse ano, produzido por grandes empresas transnacionais. Ou seja, alem de aumentar o uso do veneno, eles falsificavam a fórmula autorizada, para deixar o veneno mais potente, e assim o agricultor se iludir ainda mais.

O Dr. Nascimento Sakano, consultor de saúde, da insuspeita revista Caras, escreveu em sua coluna que ocorrem anualmente ao redor de 20 mil casos de câncer de estomago no Brasil, a maioria conseqüente dos alimentos contaminados, e destes 12 mil vão a óbito.

Tudo isso vem acontecendo todos os dias. E ninguém diz nada. Talvez pelo conluio que existe das grandes empresas com o monopólio dos meios de comunicação. Ao contrário, a propaganda sistemática das empresas fabricantes que tem lucros astronômicos é de que, é impossível produzir sem venenos. Uma grande mentira.

A humanidade se reproduziu ao longo de 10 milhões de anos sem usar venenos. Estamos usando veneno, apenas depois da segunda guerra mundial para cá, como uma adequação das fabricas de bombas químicas agora, para matar os vegetais e animais. Assim, o poder da Monsanto começou fabricando o Napalm e o agente laranja, usado largamente no Vietnam. E agora suas fabricas produzem o glifosato, que mata ervas, pequenos animais, contamina as águas e vai parar no seu estômago.

Esperamos que na próxima legislatura, com parlamentares mais progressistas e com novo governo, nos estados e a nível federal, consigamos pressão social suficiente, para proibir certos venenos, proibir o uso de aviação agrícola, proibir qualquer propaganda de veneno e responsabilizar as empresas por todas as conseqüências no meio ambiente e na saúde da população.

Os donos da mídia estão nervosos

Reproduzo artigo de Laurindo Lalo Leal Filho, publicado no sítio Carta Maior:

O blogueiro Renato Rovai contou durante o curso anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, realizado semana passada no Rio, que a Veja andou atrás dele querendo saber como foi feita a articulação para que o presidente Lula concedesse uma entrevista a blogs de diferentes pontos do Brasil. Estão preocupadíssimos.

À essa informação somam-se as matérias dos jornalões e de algumas emissoras de TV sobre a coletiva, sempre distorcidas, tentando ridicularizar entrevistado e entrevistadores.

O SBT chegou a realizar uma edição cuidadosa daquele encontro destacando as questões menos relevantes da conversa para culminar com um encerramento digno de se tornar exemplo de mau jornalismo.

Ao ressaltar o problema da inexistência de leis no Brasil que garantam o direito de resposta, tratado na entrevista, o jornal do SBT fechou a matéria dizendo que qualquer um que se sinta prejudicado pela mídia tem amplos caminhos legais para contestação (em outras palavras). Com o que nem o ministro Ayres Brito, do Supremo, ídolo da grande mídia, concorda.

Jornalões e televisões ficaram nervosos ao perceberem que eles não são mais o único canal existente de contato entre os governantes e a sociedade.

Às conquistas do governo Lula soma-se mais essa, importante e pouco percebida. E é ela que permite entender melhor o apoio inédito dado ao atual governo e, também, a vitória da candidata Dilma Roussef.

Lula, como presidente da República, teve a percepção nítida de que se fosse contar apenas com a mídia tradicional para se dirigir à sociedade estaria perdido. A experiência de muitos anos de contato com esses meios, como líder sindical e depois político, deu a ele a possibilidade de entendê-los com muita clareza.

Essa percepção é que explica o contato pessoal, quase diário, do presidente com públicos das mais diferentes camadas sociais, dispensando intermediários.

Colunistas o criticavam dizendo que ele deveria viajar menos e dar mais expediente no palácio. Mas ele sabia muito bem o que estava fazendo. Se não fizesse dessa forma corria o risco de não chegar ao fim do mandato.

Mas uma coisa era o presidente ter consciência de sua alta capacidade de comunicador e outra, quase heróica, era não ter preguiça de colocá-la em prática a toda hora em qualquer canto do pais e mesmo do mundo.

Confesso que me preocupei com sua saúde em alguns momentos do mandato. Especialmente naquela semana em que ele saía do sul do país, participava de evento no Recife e de lá rumava para a Suíça. Não me surpreendi quando a pressão arterial subiu, afinal não era para menos. Mas foi essa disposição para o trabalho que virou o jogo.

Um trabalho que poderia ter sido mais ameno se houvesse uma mídia menos partidarizada e mais diversificada. Sem ela o presidente foi para o sacrifício.

Pesquisadores nas áreas de história e comunicação já tem um excelente campo de estudos daqui para frente. Comparar, por exemplo, a cobertura jornalística do governo Lula com suas realizações. O descompasso será enorme.

As inúmeras conquistas alcançadas ficariam escondidas se o presidente não fosse às ruas, às praças, às conferências setoriais de nível nacional, aos congressos e reuniões de trabalhadores para contar de viva voz e cara-a-cara o que o seu governo vinha fazendo. A NBR, televisão do governo federal, tem tudo gravado. É um excelente acervo para futuras pesquisas.

Curioso lembrar as várias teses publicadas sobre a sociedade mediatizada, onde se tenta demonstrar como os meios de comunicação estabelecem os limites do espaço público e fazem a intermediação entre governos e sociedade.

Pois não é que o governo Lula rompeu até mesmo com essas teorias. Passou por cima dos meios, transmitiu diretamente suas mensagens e deixou nervosos os empresários da comunicação e os seus fiéis funcionários, abalados com a perda do monopólio da transmissão de mensagens.

Está dada, ao final deste governo, mais uma lição. Governos populares não podem ficar sujeitos ao filtro ideológico da mídia para se relacionarem com a sociedade.

Mas também não pode depender apenas de comunicadores excepcionais como é caso do presidente Lula. Se outros surgirem ótimo. Mas uma sociedade democrática não pode ficar contando com o acaso.

Daí a importância dos blogueiros, dos jornais regionais, das emissoras comunitárias e de uma futura legislação da mídia que garanta espaços para vozes divergentes do pensamento único atual.

Classe D já é o dobro da A nas universidades

Reproduzo artigo de Márcia De Chiara, de O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO - A classe D já passou a classe A no número total de estudantes nas universidades brasileiras públicas e privadas. Em 2002, havia 180 mil alunos da classe D no ensino superior. Sete anos depois, em 2009, eles eram quase cinco vezes mais e somavam 887,4 mil. Em contrapartida, o total de estudantes do estrato mais rico caiu pela metade no período, de 885,6 mil para 423, 4 mil. Os dados fazem parte de um estudo do instituto Data Popular.

"Cerca de 100 mil estudantes da classe D ingressaram a cada ano nas faculdades brasileiras entre 2002 e 2009, e hoje temos a primeira geração de universitários desse estrato social", observa Renato Meirelles, sócio diretor do instituto e responsável pelo estudo.

Essa mudança de perfil deve, segundo ele, ter impactos no mercado de consumo a médio prazo. Com maior nível de escolaridade, essa população, que é a grande massa consumidora do País, deve se tornar mais exigente na hora de ir às compras.

O estudo, feito a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela também que as classes C e D respondem atualmente por 72,4% dos estudantes universitários. Em 2002, a participação dos estudantes desses dois estratos sociais somavam 45,3%.

São considerados estudantes de classe D aqueles com renda mensal familiar entre um e três salários mínimos (de R$ 510 a R$ 1.530). Os estudantes da classe C têm rendimento familiar entre três e dez salários mínimos. Já na classe A, a renda é acima de 20 salário mínimos (R$ 10.200).

A melhoria da condição financeira que permitiu inicialmente a compra do primeiro carro zero e do celular aos brasileiros de menor renda também abriu caminho para que eles tivesse acesso ao ensino superior. Pesquisa do Programa de Administração de Varejo (Provar) da Fundação Instituto de Administração (FIA), que mede a intenção de compra dos consumidores por classe social, revela que subiu de 15%, no terceiro trimestre, para 17%, neste trimestre, a capacidade de gasto com educação em relação à renda da classe C.

Além da renda maior, Meirelles ressalta outros fatores que provocaram essa mudança de perfil socioeconômico dos universitários. Um deles é a universalização do ensino de segundo grau. Também contribuíram as bolsas de estudo do Programa Universidade para Todos (ProUni) e a proliferação de universidades particulares.

domingo, 28 de novembro de 2010

A rendição de Obama aos super-ricos

Reproduzo artigo do economista estadunidense Michael Hudson, publicado no sítio Carta Maior:

Agora que o presidente Obama está quase celebrando seus renovados desejos bipartidários de reeditar os cortes de impostos para os super-ricos implementados por George Bush há dez anos, é hora de os Democratas definirem até que ponto vão se opor a uma administração que começa a parecer mais algo do estilo Bush-Cheney 3ª Parte. É isso que esperavam da promessa de Obama de ficar acima da política de partidos, quando agora governa em nome de Wall Street – que é, aliás, o principal contribuinte às campanhas de ambos os partidos?

Trata-se de um exemplo de como a atual luta de classes levada a cabo somente por uma das partes converteu-se precisamente no que disse Warren Buffet: que seu “bando” está ganhando sem se que trave uma verdadeira luta. Ninguém protestou realmente quando o presidente e seu assessor David Axelrod soltaram um balão de ensaio nas últimas semanas, insinuando que os cortes de impostos de Bush para os 2% mais ricos vão se prolongar “somente” durante os próximos dois anos. Para todos os efeitos, o eufemismo “durante os próximos dois anos” significa, na verdade, para sempre – ou ao menos o tempo suficiente para que os super-ricos tenham tempo de mobilizar os recursos necessários e financiar os Republicanos necessários, para que estes, uma vez eleitos, façam dos cortes algo permanente.

Privilégios para 2% da população

É como se Obama estivesse fazendo campanha para sua própria derrota. Graças em grande parte ao resgate de Wall Street no valor de 13 bilhões de dólares – enquanto a dívida dos EUA seguia crescendo para o resto dos 98% mais pobres do país. Este agraciado setor de 2% da população recebe agora aproximadamente três quartos de todos os dividendos que produz a riqueza nacional (entre lucros, rendas e ganhos de capital). Isso é quase o dobro do que recebiam uma geração atrás. Enquanto isso, o resto da população é chamado a apertar o cinto, com montes de hipotecas em via de execução que estão deixando muita gente sem suas casas.

Baudelaire brincava dizendo que o diabo ganha justamente no momento em que consegue convencer a todos de que ele não existe. As elites financeiras de hoje vão ganhar a guerra de classes no momento em que conseguirem convencer o eleitor de que não existe tal guerra. E Obama está tratando de ajudar-lhes.

Trata-se da velha demagogia desavergonhada. Chegou o momento em que se deveria acabar com as isenções fiscais para o setor financeiro. Mas Obama vai em frente e pretende nos convencer de que “dois anos mais” vão nos ajudar a sair desta crise creditícia. Mas os planos dos Republicanos são avançar no Congresso e no Senado em 2012, na medida em que os eleitores de Obama vão optando por ficar em casa, como fizeram no início de novembro. Assim que “dois anos” significa, em termos políticos, para sempre. Por que votar em um político que promete “mudanças”, mas logo transforma essa promessa em uma mera exclamação, que na verdade segue com as políticas de Bush e Cheney no Afeganistão e no Iraque e também as do Wall Street’s Democratic Leadership Council, da ala direita de seu partido? Depois de tudo, um dos líderes desse Conselho foi precisamente Joe Lieberman, o mentor de Obama no Senado.

Alguém precisa construir os iates

O segundo pretexto alega que cortar os impostos dos super-ricos é necessário para conseguir o apoio republicano suficiente para incluir também a classe média nestas isenções fiscais. É como se os Democratas nunca tivessem ganho uma votação com minoria (recorde-se de George W. Bush com seus meros 50%, levando adiante políticas extremistas sob a lógica do “tenho capital eleitoral e vou usá-lo”. O que tinha, claro, era o apoio do Democratic Leadership Committee). E tudo isso é para “criar postos de trabalho”, começando pelos empregos dos trabalhadores dos estaleiros que vão fazer os iates para os novos ricos e terminando com os dez milhões de estadunidenses que não conseguem cumprir com os prazos de suas hipotecas. Soa muito keynesiano – ou pelo menos reminiscente de Thomas Robert Malthus que, como porta-voz da aristocracia latifundiária inglesa, argumentava que os proprietários de terra iam usar suas rendas para adquirir peões, construir carros ou contratar mordomos, e assim, iam manter a economia funcionando.

Mas o quadro é ainda pior. Os cortes de impostos à la Bush de Obama são só a primeira parte de um assalto em dois tempos para deslocar o peso arrecadatório do sistema na direção dos assalariados. Os economistas do Congresso estimam que prolongar esses cortes de impostos para os 2% mais ricos da população custará ao Tesouro público algo entre 700 e 750 bilhões de dólares ao longo de aproximadamente dez anos. “E como vamos cortar esses 700 bilhões?” - perguntava o próprio Obama a Steve Kroft durante sua entrevista semana passada no programa 60 minutos, da CBS.

Era, é claro, uma pergunta retórica. O presidente colocou em marcha uma comissão bipartidária (gente da ala direita de ambos partidos) para “sanear” a situação orçamentária federal por meio de cortes nos gastos sociais, para assim poder pagar ainda mais resgates financeiros aqueles que arruinaram a economia. A Comissão Nacional para a Responsabilidade e a Reforma Fiscal poderia muito bem chamar-se “Comissão da Nova Guerra de Classes para Colocar de Novo o Custo da Seguridade Social e o Medicare sobre os Assalariados e assim Deixar mais Arrecadação Fiscal para Presentear os Super-Ricos”. Sem dúvida um nome maior que aquele posto por seus amigos dos meios de comunicação, a Comissão para Reduzir o Déficit, mas às vezes faltam muito mais palavras para chegar ao centro do cérebro.

O peixe grande come o peixe pequeno

O axioma político que está operando aqui é “o peixe grande come o pequeno”. Com a chegada das vacas magras não há arrecadação suficiente para seguir inchando as fortunas dos super-ricos e, ao mesmo tempo, pretender dispor de recursos suficientes para pagar as pensões e os auxílios sociais prometidos tanto aos cidadãos estadunidenses quanto aos europeus. Alguém tem que ceder e os ricos demonstraram ser bastante espertos para tomar a iniciativa. Para ter uma visão antecipada do que vai acontecer nos EUA, fixem-se na luta da Europa neoliberal desencadeada contra a classe média e trabalhadora na Grécia, Irlanda ou Letônia. Ou melhor ainda, o Chile de Pinochet, onde as contas da seguridade social recém privatizadas foram rapidamente saqueadas ao final dos anos 70 por uma cleptocracia bem assessorada pelos Chicago boys, cujo monetarismo acabou de ser abraçado de novo por Bem Bernanke, a pessoa que Obama pôs a frente do FED (o Banco Central dos EUA).

Para colocar em perspectiva a baixada de calças de Obama é preciso se fixar nos conselheiros pró-Wall Street que colocou ao seu redor – não somente Larry Summers, Tim Geithner e Ben Bernanke, mas também ao constituir sua Comissão para Reduzir o Déficit com declarados defensores dos cortes nas pensões, no Medicare e em qualquer outro gasto social. Sua jogada consiste em aterrorizar o público pintando um pesadelo de um déficit de 1 bilhão de dólares no sistema de pensões ao longo dos próximos 50 anos – como se o Tesouro e o FED não tivessem acabado de liberar 13 bilhões em resgates para Wall Street sem sequer pestanejar. O presente de 750 bilhões de dólares do presidente Obama aos 2% mais ricos da população será a cereja do bolo que os ricos vão devorar quando as coisas começarem a ficar realmente feias para a classe trabalhadora.

Para ver as coisas em seu conjunto é preciso ter em mente que o juro pago sobre a dívida pública (que quadruplicou na era Reagan-Bush e que duplicou de novo no período Bush-Obama) vai chegar rapidamente à casa de um trilhão de dólares anuais. Isso não é mais que um imposto sobre o trabalho – já que aumenta o custo de vida e os custos da atividade econômica em geral – que está sendo pago por se ter perdido a luta pela reforma econômica e por se ter substituído um sistema fiscal progressivo por políticas neoliberais regressivas. E assim, enquanto o gasto militar no Oriente Médio, Ásia e outras regiões do planeta for o responsável pela maior parte do déficit dos EUA, o Congresso vai seguir aproveitando qualquer ocasião para conjurar não sei que nova ameaça externa que justifique seguir aumentando o poderio do exército.

A lógica das bolhas

Tudo isso é material da pior ciência econômica. É mantendo um déficit público que os atuais governos injetam crédito e capacidade aquisitiva necessários para que as economias cresçam. Quando os governos dispõem de superávit, como ocorreu com Bill Clinton (1993-2000), os bancos é que criam o crédito. E o problema com o crédito bancário é que grande parte dele é emprestado, com juros, sobre um principal que é, por sua vez, crédito. O resultado é que cedo ou tarde se criam bolhas sobre bens ou sobre títulos do mercado de valores. Isso gera ganhos de capital – que o sistema impositivo “original” de 1913 tratava como qualquer outra fonte de renda, mas que hoje em dia são gravados somente em 15% (e somente quando se materializam esses ganhos, o que é muito raro no caso de bens imóveis). É assim que o atual sistema tributário subsidia o crescimento das bolhas imobiliárias ou baseadas no excesso de crédito. A autêntica traição: a posição da Comissão a respeito das deduções fiscais sobre os juros hipotecários

A Comissão de “Impostos Regressivos” de Obama começou a preparar terreno com sua proposta de retirar as deduções fiscais das hipotecas de casas cujo preço estava já muito encarecido. A proposta ataca somente aos proprietários individuais de casas – a “classe média” – e não os especuladores imobiliários, investidores, corretores de bolsa ou outros agentes do setor bancário ou financeiro.

O IRS (Internal Revenue Service, a administração tributária federal nos EUA) permite que os juros hipotecários sejam dedutíveis fiscalmente sob a premissa de que se trata de um custo necessário para poder desenvolver um negócio. Mas, na verdade, é um subsídio à expansão do crédito partindo de um principal limitado. Este viés fiscal a favor do endividamento em lugar do investimento real (usando os fundos que alguém dispõe) é, em grande medida, o responsável de ter inundado a economia dos EUA com dívida.

Esse mecanismo anima o cassino financeiro com a compra e venda de bônus podres, o que de fato aumenta o juro que deve ser pago para fazer negócios. Esse subsídio ao endividamento é também a maior concessão feita pelo governo aos bancos, ao mesmo tempo que está na origem da deflação creditícia a favor do “livre mercado” enunciado ao longo do século XIX (um “livre mercado” significava livre do parasitismo dos rentistas, encaminhando-se o que Keynes com muita felicidade chamou de “eutanásia do rentista”. No entanto, a Comissão de Obama mantém os rentistas no nível mais alto do sistema econômico mediante um sistema fiscal que reforça seu poder ao invés de limitá-lo – ao mesmo tempo que aperta o restante dos agentes econômicos que estão embaixo).

A Tabela 7.11 das Contas Nacionais (NIPA, National Income and Product Accounts) mostra que o juro total pago nos EUA somou 3,24 trilhões de dólares em 2009. Os proprietários de imóveis pagaram cerca de um sexto desse valor (cerca de 572 bilhões) pelas casas que ocupam. A Comissão de Obama estima que eliminar as deduções fiscais sobre esses juros resultaria em cerca de 131 bilhões de dólares para o Tesouro em 2012.

Há de fato uma certa lógica em eliminar essas isenções. As deduções de juros hipotecários não supõe um autêntico arrocho sobre os proprietários. Mas isso é uma mera ilusão. O que o governo dá ao “proprietário” por um lado, acaba passando ao banqueiro por meio do mecanismo “de mercado” pelo qual quem quer comprar uma casa acaba tendo que ceder toda margem de lucro ao banco caso queira que este realmente conceda o empréstimo. O “equilíbrio” se alcança quando qualquer possível renda líquida acaba indo parar nas mãos dos bancos e, posteriormente, se converte em futuros empréstimos.

Isso significa que o que, em princípio, parece uma forma de “ajudar os proprietários” a pagar suas hipotecas, converte-se simplesmente em um mecanismo que permite que eles possam pagar juros bancários mais altos. Essa isenção fiscal utiliza, pois, os proprietários de imóveis como “mecanismo” para favorecer os bancos.

E é ainda pior. Ao tirar o tradicional imposto sobre bens, os governos estaduais, locais e o federal necessitam aumentar a carga fiscal sobre o trabalho e a indústria, transformando o imposto sobre a propriedade em impostos sobre a renda ou sobre o consumo. Para os bancos, isso implica transmutar arrecadação fiscal em ouro, ou seja, em juros. E a classe média de proprietários de imóveis tem que pagar agora o antigo imposto da propriedade aos bancos na forma de juros, mas além disso, pagar também a maior carga fiscal sobre a renda e o consumo que é necessária para compensar a menor arrecadação fiscal.

Os ricos criam emprego. Criam?

Eu estou de acordo com a eliminação do favoritismo tributário para o endividamento hipotecário. O problema é que a Comissão para o Déficit não torna essa medida extensiva ao restante da economia: o setor corporativo de bens imóveis e o setor empresarial e investidor em geral.

Mais uma vez o argumento volta a ser que “os ricos criam emprego”. Ao fim e ao cabo, alguém tem que construir os iates. Mas o que está por trás disso é um princípio mais fundamental: a desigualdade de renda e riqueza destrói postos de trabalho. Isso é assim porque os muito ricos alcançam rapidamente um limite a respeito do que podem consumir. E aí começam a gastar seu dinheiro comprando ativos financeiros – basicamente bônus, o que acaba endividando a economia. Esse excesso de dívida é que está levando a economia a uma depressão cada vez mais profunda.

Desde os anos 80, os corretores de bolsas tem se endividado com papéis podres com altos juros para se lançar sobre empresas com problemas e ganhar dinheiro desmantelando seus ativos, cortando os investimentos a longo prazo e pagando seus credores com créditos depreciados. Empresas que operam como parasitas financeiros utilizam as receitas comerciais normais para recomprar suas próprias ações e, assim, manter o preço de cotização das mesmas – e, de passagem, o valor das stock options que os altos executivos pagam a si mesmos – endividando-se ainda mais para seguir recomprando ações próprias ou diretamente para pagar dividendos.

Quando todo o processo chega ao fim, ameaçam os empregados com o risco de uma quebra que destruirá seus fundos de pensões caso não concordem em “reduzir” suas demandas trabalhistas e substituir seus planos de aposentadoria baseados em benefícios por planos baseados em contribuições (nos quais a única coisa que os trabalhadores sabem é quanto pagam a cada mês, mas não o que vão receber quando se aposentarem). Chegando a esse ponto, os altos executivos já terão pago a si próprios alguns salários e tornado efetivas suas stock options – tudo isso subsidiado pelo tratamento de favor fiscal que o governo confere ao endividamento.

As tentativas de assalto ao McDonalds e a outras empresas durante os últimos anos oferecem importantes lições sobre como funciona essa política de destruição financeira mediante “ativistas das Bolsas de Valores”. E, no entanto, a Comissão para Reduzir o Déficit, de Obama, restringe a supressão dessas isenções fiscais ao endividamento somente para a classe média proprietária, ignorando o restante do setor financeiro implicado. O que faz desta situação algo particularmente absurdo é que dois terços dos proprietários de casas sequer recorrem a essas deduções. O que deixa de ingressar no tesouro, por conta dessas deduções, provém principalmente do setor de grandes investimentos.

Se é correto (e creio que é) o raciocínio de que permitir que os juros sejam dedutíveis fiscalmente somente “libera” arrecadação para que se transforme em maiores juros pagos aos bancos – que logo se capitalizam na forma de empréstimos ainda maiores – então, por que não aplicar com mais ênfase essa supressão das deduções para os Donald Trumps e outros grandes investidores do setor imobiliário que operam usando o “dinheiro de outras pessoas” ao invés do seu? Na prática, esse “dinheiro” resulta ser crédito bancário que atualmente custa aos próprios bancos menos de 1% de juros. O sistema fiscal-financeiro está desviando os recursos dos investimentos comerciais em bens imóveis, aumentando o preço dos aluguéis, das moradias e, por extensão, de toda a atividade empresarial na indústria e na agricultura.

Desgraçadamente, a administração Obama deu seu apoio à política de Geithhner-Bernanke baseada na idéia de que a economia não pode se recuperar sem “salvar” o excesso de dívida. Mas a realidade é que o excesso de dívida é que está destruindo a economia. Assim, estamos diante do fato irreconciliável de que a posição adotada por Obama ameaça reduzir os padrões de vida entre 10 e 20% nos próximos anos – fazendo com que os EUA se pareçam mais com a Grécia, a Irlanda ou a Letônia do que com aquilo que nos prometeu nas últimas eleições presidenciais.

Algo deve ser feito politicamente caso se queira que a economia mude seu curso. Mas, concretamente, o que deve mudar é o atual privilégio dado a Wall Street a custa do resto da economia produtiva. O que fez com que a economia estadunidense perdesse competitividade foi principalmente o grau no qual o serviço da dívida foi erodindo o custo de vida e a capacidade para fazer negócios. A “economia lixo” da era pós-clássica considera o juro como um preço que paga pelo “serviço” de oferecer crédito. Mas o juro (como as rendas sobre a propriedade ou a extração de lucros monopolísticos) é uma transferência de recursos aos bancos pelo mero privilégio que tem de poder emitir crédito. Aqueles que se beneficiam do privilégio tributário com o endividamento são os arqui-ricos da parte mais alta da pirâmide econômica – os 2% que a renúncia fiscal de Obama vai beneficiar com outros 700 bilhões de dólares.

Se o atual curso das “reformas” fiscais não for revertido, Obama estará mostrando seus dentes de crocodilo para a classe média, apoiando o programa da Comissão para Reduzir o Déficit, baseado em cortes na Seguridade Social para evitar que estados e municípios não possam fazer frente aos pagamentos das pensões. No entanto, parece que um terço do total de bens imóveis dos EUA encontra-se em uma situação de quebra contábil, minando seriamente a arrecadação fiscal estatal e local, forçando uma situação na qual seja preciso escolher entre a quebra, a moratória da dívida, ou colocar as perdas nos ombros dos assalariados em benefício dos ricos credores que são precisamente os responsáveis de ter inundado o mercado com dívida.

O helicóptero de Bernanke só voa sobre Wall Street

Os críticos da agenda econômica de Obama-Bush insistem que a Idade Dourada da América, no final do século XIX, foi de fato uma era de polarização econômica e de luta de classes. Naquele momento, o líder democrata William Jennings Bryan acusou Wall Street e os credores de crucificar a economia dos EUA em uma cruz de ouro. A volta do preço do ouro ao seu valor de antes da Guerra Civil levou a uma guerra financeira que tomou a forma de uma deflação creditícia, na medida em que a queda dos preços e das rendas de agricultores e assalariados impediu que estes pudessem fazer frente às suas cada vez mais caras hipotecas. A Lei de Impostos sobre a Renda de 1913 tratava de corrigir isso, concentrando o esforço fiscal no 1% mais rico da população, os únicos que estavam obrigados a fazer declaração da renda e a pagar impostos. Os ganhos de capital eram tratados como quaisquer outros. Desse modo a maior parte da carga tributária recaía sobre o setor das finanças, dos seguros e dos bens imóveis.

Mas os interesses privados passaram todo um século batalhando contra isso. E agora tem a vitória ao alcance da mão, perpetuando os cortes de impostos de Bush para os 2% mais ricos da população, desativando a tributação sobre a riqueza, deslocando a pressão fiscal sobre a propriedade para a renda do trabalho e o consumo e atacando qualquer gasto público que não seja para resgates financeiros e subsídios à emergente oligarquia financeira em que se converteu o novo “bipartidarismo” de Obama.

O que necessitamos é de uma Comissão para o Futuro que nos antecipe o que os ricos vão fazer, agora que conseguiram a vitória total. Tal como a estão administrando Obama e os altos cargos design ados por ele como Tim Geithner e Bem Bernanke, sua atual política é fiscal e financeiramente insustentável. Manter os incentivos fiscais ao endividamento – para que a maioria da população acabe endividada frente aos ricos, para quem aliás desaparece virtualmente toda imposição fiscal – é simplesmente debilitar a economia. Isso levará a crises financeiras cada vez piores, onde os assalariados não conseguirão pagar suas contas e os estados, os municípios e inclusive o governo federal entraram em risco de quebra fiscal.

Os presidentes seguintes terão que pôr em marcha mais resgastes financeiros, usando cada vez mais estratégias parecidas com as das emergências militares. Uma guerra financeira exige que o Congresso atue emergencialmente, como ocorreu em 2008-2009. Os assessores de Obama estão transformando a economia dos EUA em um permanente estado de sítio, um Jogo de Ponzi (*) perpétuo que vai requerer mais e mais injeções de facilidades de crédito para “resgatar” a economia (o eufemismo usado por Obama para falar dos credores na parte de cima da pirâmide econômica) do perigo de cair na insolvência. O helicóptero de Bernanke só voa sobre Wall Street. Seu auxílio monetário não alcança o resto da população.

(*) Este jogo caracteriza-se pelo fato de o agente econômico (seja consumidor, empresa ou governo) renovar continuamente seus empréstimos para pagar não somente o principal, mas também o total dos juros devidos pelo empréstimo, acarretando um crescimento em bola de neve da dívida contraída.

Tradução: Katarina Peixoto

Dilma, Comparato e a Ley de Medios

Reproduzo artigo de Paulo Henrique Amorim, publicado no blog Conversa Afiada:

O emérito professor Fábio Comparato entrou no Supremo com uma ADIN por Omissão para obrigar o Congresso a legislar sobre os três artigos da Constituição de 1988 que até hoje não foram regulamentados.

A causa foi patrocinada por duas entidades de âmbito nacional, com pertinência temática, como exige a Constituição: a Fenaj, a Federação dos Jornalistas, e a Fitert, a Federação dos Radialistas.

A ADIN, por obra e graça do Reino da Treva, caiu nas mãos da Ministra Ellen Gracie, aquela que, por anos, se recusou a abrir os dados do HD do Daniel Dantas, com um argumento notável: Dantas não é Dantas, mas Dantas!

O que fez a Ministra ?

Negou o pedido.

E re-escreveu a Constituição.

Determinou que a Fenaj e a Fitert NÃO são entidades nacionais.

De onde a Ministra tirou isso, não se sabe.

Mas, tirou.

O professor Comparato não se intimidou com a redatora da Constituiçãoo.

(Alias, ela é discípula do Ministro serrista Nelson Jobim, que confessou ter escrito ele próprio, solitariamente, um artigo da Constituição. Quem pode pode).

Comparato recorreu e o plenário do Supremo decidirá.

E entrou com a mesma ADIN, agora patrocinada pelo PSOL.

Mas, não é só isso.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Publicidade, filiada à UGT, num ato de coragem, entendeu o obstáculo que a Ministra opos à luta de Comparato, e aderiu à causa.

Comparato vai em breve entrar com a mesma ADIN, agora patrocinada por uma Confederação Nacional, com pertinência temática.

Vamos ver o que dirá a redatora da Constituição, a Ministra Ellen Gracie.

A ADIN trata dos artigos constitucionais que impoem:

- o fim do monopólio ou do oligopólio na Comunicação;

- a regionalização da programação;

- e o direito de resposta.

Só isso.

E só isso basta para o Ministro Paulo Bernardo iniciar os trabalhos de uma Ley de Medios.

Aliás, para irritar o PiG, de vez, o Ministro e a Presidente Dilma poderiam convidar para uma conversa o professor Comparato, a Confederação dos Trabalhadores em Comunicação e os blogueiros sujos do Instituto Barão de Itararé, que encampou a batalha do professor Comparato.

(Aliás, o professor Comparato tentou fazer a OAB patrocinar a ADIN. Mas, o presidente da OAB, que entende de tudo, preferiu dedicar-se ao ENEM).

Aliás, já estará na mesa da Presidente Dilma a determinação que dara à Advocacia Geral de União sobre a matéria.

Quando a ADIN do professor Comparato chegar ao plenário do Supremo, a AGU terá de se pronunciar.

Será uma magnífica oportunidade para se ver até que ponto a Presidente está, de fato, comprometida com uma Ley de Medios.

O Ministro Franklin Martins já disse que considera um absurdo o Congresso sentar-se desde 1988 em cima desses três artigos da Constituição (com medo da Globo, diria este ordinário blogueiro).

O proprio professor Comparato sentiu na pele o voto da AGU a favor da Lei da Anistia que absolveu os torturadores do regime militar.

O professor estava e está do outro lado da cadeira do dragão: ao lado dos torturados.

Observe-se também que um projeto de Lei da Presidencia da República tem prioridade absoluta na tramitação no Congresso.

Bem que a presidente Dilma poderia conversar com o professor Comparato e, com ele, fazer um PL para mandar ao Ministro Paulo Bernardo.

O Barão de Itararé, que apanhou tanto da polícia política do Getúlio, lá das entranhas do Rio Grande do Sul dedicaria à Presidente Dilma a capa do seu Almanhaque.

Como montar sua webTV

Reproduzo matéria de Antonio Martins, publicada no sítio Outras Palavras:

A blogosfera brasileira tem mostrado interesse crescente por dominar a produção de documentários em vídeo e programas de TV via web. Sites como Carta Maior e Vermelho exploram há anos, mesmo que de forma embrionária, estas linguagens. Recentemente, elas foram empregadas pelo blog de Luís Nassif, em comentários sobre a campanha eleitoral que reuniam milhares de espectadores; e por 48 horas democracia, uma cobertura do primeiro e segundo turnos das eleições que reuniu dezenas de sites e blogs.

Facilitada por plataformas como YouTube, Vimeo, Estudio Livre; ou Twitcam, Livestream, Stickam (para transmissões ao vivo), a webTV pode ser uma ferramenta preciosa para o jornalismo. Viabiliza gêneros em que a imagem é mais rica que as palavras (a entrevista olho-no-olho, por exemplo). Permite transmitir informações e análises rápidas sobre acontecimentos relevantes, quando não é o caso de esperar pela redação de um texto escrito (que tem outra profundidade e outras vantagens.). Abre um campo imenso para a experimentação.

Os planos de Outras Palavras para 2011 incluem a produção de documentários e a criação de uma webTV. Queremos fazê-lo de forma compartilhada. Nossa própria capacitação inicial ocorrerá num seminário de formação que se estenderá por 16 horas, em duas etapas: no próximo domingo (28/11) e em 12/12 (outro domingo). A programação completa está no final deste post.

A atividade será coordenada por CarlosCarlos. Autodidata, criador e autor de Bola e Arte, um programa que já transmitido pela TV Cultura e FizTV (Abril), CarlosCarlos postula uma ampla ruptura com os formatos que ainda predominam na televisão brasileira. Para ele, a forma padronizada dos noticiários de quase todas as redes busca esconder a pobreza de conteúdos e o bloqueio da criatividade. Mais: a uma comunicação televisiva mais democrática, deveria corresponder, obrigatoriamente, uma
forma mais aberta e dialógica. Menos capaz, portanto, de cavar um abismo entre quem transmite as informações, ou análises, e quem as recebe. Disposta a romper as barreiras entre os antigos emissores todo-poderosos e plateias passivas.

Articulado há poucos meses, Outras Palavras procura dedicar-se à produção de conteúdos qualificados sobre a globalização, seus reflexos no Brasil, as alternativas. Enfatiza que a blogosfera não deve se contentar em apontar as
distorções e superficialidades da velha mídia: precisa informar e interpretar - com as grandes vantagens da horizonalidade e da colaboração.

O projeto para 2011 inclui construir um site mais profundo e, ao mesmo tempo, mais participativo. O seminário "Como construir uma webTV" inaugura este esforço. Será inteiramente transmitido pela internet, com participação do público (para saber detalhes, escreva para antonio@outraspalavras.net
). A programação está abaixo e o convite, desde já, aberto.

Seminário: Como montar e manter uma webTV

Programa:

Domingo, 28/11 - 9h às 13h:

- Visão geral: Novo meio, novo padrão, nova linguagem.

* Como a internet permite montar microestúdios de TV funcionais, reduzindo a quase zero os preços de produção e emissão;

* A revolução estética possível e necessária: para noticiar e debater em
vídeo, não são necessárias estruturas e padrões globais;

- Plataformas: YouTube, Vimeo, Livestream, Ustream, Stickam, Twitcam

* História da publicação de conteúdos em vídeo e da transmissão online

* Características e comparação entre as plataformas de publicação (YouTube, Vimeo, outras): facilidade de publicação, limites de tempo e qualidade, formatos aceitos, público atingido, etc.

* Características e comparação entre as plataformas de produção online (Livrestream, Ustresam, Stickam, Twitcam): facilidade de publicação, número máximo de usuários por sessão, padrões de interatividade, público atingido, etc.

* A questão de transferir audiência para as grandes plataformas. Facilidades e desvantagens de criar contas personalizadas em grandes serviços. Quais as alternativas, suas vantagens e limites?

Domingo, 28/11 - 14h30 às 18h30

- Requisitos técnicos para produção e transmissão em vídeo

* Para transmissão: requisitos de conexão, modems, etc;

* Para produção em estúdio: câmeras, microfones, cenários. Do padrão mais simples a alguma sofisticação. O uso da webcam e do celular. Como produzir com qualidade em ambientes movimentados;

* Para produção externa: as mesmas questões do tópico anterior.

- Experiências práticas relacionadas ao conteúdo do dia

* Criação de contas no Youtube, Vimeo, Livestream, Ustream, Stickam, Twitcam.

* Embutindo o conteúdo publicado nestas plataformas em seu próprio site.

* Transmissão, por estas plataformas, a partir de webcam e câmeras/microfones mais sofisticados.

* Como disponibilizar permanentemente um conteúdo transmitido ao vivo.

Domingo, 12/12 - 9h às 13h

- Técnicas e estéticas na webTV

* Desconstruindo na prática o "padrão global"

* Recursos para ampliar a qualidade de produções e transmissões que usam equipamentos acessíveis.

* Estética: o mito da notícia-verdade absoluta e sua dissolução. Como a informalidade pode ajudar o público a fazer leituras críticas do que vê, examinando elementos como as fonte da informação ou informações e análises contraditórias sobre um mesmo fato.

- Alguns gêneros de programas, em formatos alternativos (exibição e comentário a partir de experiências existentes)

* O noticiário

* A entrevista

* A mesa-redonda

* A reportagem

Domingo, 12/12 - 14h30 às 18h30

- A publicação dos programas em sites e ou construção de videoblogs

* A utilização da ferramenta WordPress

* Os plugins do WordPress para criar áreas de TV em blogs

* Os temas para criação de vídeoblogs

* Exame e debate de sites e vídeoblogs existentes.

- A possível formação de uma rede de webTVs

* Um novo conceito: a grade compartilhada

* Como produzir conteúdo relevante e profundo articulando diversidade de saberes e múltiplas produções.

* Como articular esforços comuns para cobrir assuntos de grande relevância.

* Como montar um fórum permanente para colaboração, busca de sinergias e aperfeiçoamento do trabalho de todos.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

TV Globo Adquire direito de Transmissão das Operações do Bope

FAIXA DE GAZA – A TV Globo comprou os direitos exclusivos de transmissão das incursões do BOPE nas favelas cariocas. Os direitos, que valem até 2014, incluem streaming on line e via celular. A emissora terá também o direito de interromper a transmissão em canal aberto das cenas mais acaloradas do embate, transferindo-os para o pay-per-view no canal Premiere Combate. "Nesses casos, o assinante terá de pagar um pouco mais para ter acesso ao melhor da violência urbana", declarou o diretor-geral de emissora, Octavio Florisbal.

As transmissões serão narradas por Galvão Bueno e comentadas por Arnaldo Jabor. Gilmar Mendes será o comentarista de arbitragem. Galvão promete caprichar nos bordões, especialmente “Haja coração!!”, na hora do tiroteio, e "Houve coração!!", no caso de óbitos. E também: “Dramáááático, amigo!”, “Isso aqui é teste pra cardíaco!”, além de promover a expressão “Vai que é tua Pimentel”, uma homenagem ao ex-capitão do BOPE. Mendes espera emplacar o bordão “A constituição é clara!”.

Doze documentários e oito filmes de ficção sobre os eventos de hoje já entraram em produção. A classe cinematográfica promove festa à noite no Odeon para comemorar o renascimento do cinema nacional.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Abdelmassih pega 278 anos. Gilmar deixa ele solto

Extraído do G1:

Roger Abdelmassih é condenado a mais de 200 anos de prisão

Ex-médico foi acusado de estupros de pacientes em clínica de São Paulo. Ele era um dos mais renomados especialistas em reprodução assistida.

Do G1 SP, com informações da TV Globo
O médico Roger Abdelmassih, de 66 anos, que teve seu registro profissional cassado, foi condenado nesta terça-feira (23) a 278 anos de prisão pela juíza Kenarik Boujikian Felippe, da 16ª Vara Criminal de São Paulo. Ele foi acusado de 56 estupros de pacientes em sua clínica, localizada em uma área nobre da capital paulista. Abdelmassih pode recorrer da decisão em liberdade. O advogado dele, José Luís de Oliveira Lima, disse que o cliente ficou “abalado” com a decisão e que vai recorrer. Foram três condenações por estupro, houve sete absolvições e as outras foram por atentado violento ao pudor.

Abdelmassih, um dos mais renomados especialistas em reprodução assistida do Brasil, com um luxuoso escritório na Avenida Brasil, chegou a ficar preso de 17 de agosto a 24 de dezembro de 2009. O então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, concedeu ao médico o direito de responder o processo em liberdade. Por causa dessa liminar, que ainda não tem uma decisão definitiva, o condenado poderá aguardar em liberdade.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O MITO DE HÉRACLES OU HÉRCULES

Héracles é filho de Zeus e Alcmena, rainha de Tirinto. Zeus, encantado com a beleza de Alcmena, a possuiu, tomando a forma de Anfitrião, seu esposo. Quando Héracles estava para nascer, Zeus profetizou aos Olímpicos que a próxima criança a nascer na Casa de Perseu seria o Senhor de Micenas. Mas Hera, tomada de ciúmes pelo amor adúltero de seu marido e uma mortal, atrasou o nascimento de Héracles, permitindo que Euristeu, filho de Nikkipe, nascesse primeiro.
Contudo, precocemente se manisfestou a natureza semi-divina de Heracles. Hera enviou duas serpentes ao seu berço, mas o bebê pegou cada uma com uma mão e as estrangulou ante os aterrorizados mãe e padrasto. Anfitrião pressentia algo de especial naquela criança, e chamou Tirésias, o profeta de Zeus, que anunciou que ele livraria a terra e os mares de muitos monstros, que ele haveria de vencer os gigantes, e que, ao final de sua vida, seria recebido no próprio Olimpo.

Orgulhoso de seu pretenso filho, Anfitrião encarregou-se de dar-lhe a melhor educação possível e, desde muito cedo, Heracles aprendeu artes marciais. Entre seus mestres, estava Lino, filho de Apolo, encarregado de ensinar-lhe música. Héracles, apesar
de habilidoso, não aceitava receber punições. Um dia, Lino o criticou durante uma de suas lições e Heracles, enraivecido, atirou sua lira em sua cabeça, matando-o. Anfitrião, temeroso dos problemas que a força desmedida do garoto pudesse causar, enviou o jovem arrependido aos Montes Citéron, onde devia vigiar seus rebanhos. Lá Héracles cresceu e se tornou o homem mais forte de toda a Grécia e realizou seus primeiros atos de bravura.

Hera, contudo, não estava disposta a ceder. Héracles havia recebido a mão de Megara, filha do rei de Tebas, Creonte, como recompensa por haver liberado os tebanos do pagamento dos onerosos tributos impostos por Ergino, rei dos mínios. Um dia, a deusa fez o herói sofrer de um ataque de loucura tão grande que matou os seus próprios filhos, os quais havia tido com Megara. Para expiar esse ato tão terrível, ele Colocou-se a serviço de Euristeu, seu invejoso primo, então rei de Tebas, por doze anos. O monarca lhe recomendou, então, uma série de tarefas ou trabalhos:
1. Trazer a pele do monstruoso leão da Neméia: Heracles estrangulou a besta e levou a pele como troféu, utilizando as afiadas garras do leão para o desfolar.
2. Matar a Hidra de Lerna: Caso uma cabeça sua fosse cortada, mais duas surgiriam no lugar da antiga, ao que Heracles pediu ajuda de seu sobrinho Iolau; o herói cortava uma cabeça e Iolau se punha a queimar o toco com uma tocha ardente, impedindo o surgimento de novas.
3. Trazer viva a corça da Cerinéia
4. Trazer vivo o javali de Erimanto: Heracles gritou na entrada da guarida do javali até que este saiu disparado e ficou preso na neve, sendo capturado pela rede do herói.
5. Limpar o estábulo de Augias: Heracles somente pôde limpa-los desviando as águas dos rios.
6. Espantar as estinfálidas: Hércales abateu muitas destas aves com suas flechas e afugentou as restantes com castanholas de bronze feitas pelo deus Hefesto.
7. Domar o touro de Creta.
8. Trazer as éguas de Diomedes.
9. Trazer o cinturão de Hipólita, a rainha das amazonas, a qual foi morta pelo herói.
10. Trazer o gado do gigante Gérion.
11. Trazer as maçãs de ouro das hespérides.
12. Trazer o cão Cérbero à superfície. Tarefa durante a qual o herói venceu Hades, deus dos mortos e seu tio natural, e se tornou imortal.
Após cumprir essas doze tarefas, desobrigou-se de servir seu parente Euristeu e, não podendo mais viver com Megara, por haver matado seus filhos, consentiu que esta desposasse Iolau, seu sobrinho e companheiro de batalhas.

Depois de outros feitos, Héracles chegou a Calidon, nas terras do rei Eneu, que tinha uma filha encantadora chamada Djanira. Sua beleza havia atraído como pretendente o deus-rio Aquelôo. Djanira, no entanto, recusava-se a se casar com eeste, e foi então que Héracles também se ofereceu como pretendente. O rei Eneu, que não queria contrariar nenhum dos dois poderosos seres, prometeu a mão de sua filha ao vencedor em um duelo. Héracles venceu o confronto, e desposou Djanira, com quem teve um filho, Hilo. Os três seguiram, então, viagem para Tráquis onde vivia um amigo do herói. Quando chegaram ao rio Eveno, encontraram o centauro Nesso, que em troca de uma moeda atravessava os viajantes pelo rio. Héracles dispensou a ajuda, mas o centauro transportou Djanira em seus ombros. No meio da travessia, o centauro, enlouquecido pela beleza da mulher, ousou tocá-la de maneira impudica. Héracles ouviu os gritos de sua esposa e, com uma flecha, acertou as costas dele.

Esta foi talvez a mais trágica demonstração de sua ira, pois o manhoso centauro, antes de morrer, disse a Djanira que guardasse seu sangue e o usasse em um encantamento para manter para sempre o amor do herói. E assim Djanira teceu uma bela camisa que banhou com o sangue do centauro morto, de maneira a ficar completamente uniforme. No dia em que Héracles iria realizar um sacrifício aos deuses, em agradecimento à uma vitória comquistada, Djanira enviou-lhe o presente.
Héracles vestiu a camisa e foi tomado de dores terríveis e feridas incuráveis. Havia chegado o fim do grande guerreiro. Ao ver o que aconteceu com seu esposo, Djanira, tomada de remorso, suicidou-se. Hércules, agonizante, pediu que fosse levado ao monte Eta para cumprir o que havia sido dito por um oráculo: que ele terminaria seus dias naquele monte. Pediu aos seus amigos que fizessem uma pira e
queimassem o seu corpo mesmo antes de morrer. A pira foi preparada, e sobre ela deitou-se o herói. Enquanto as chamas ardiam, raios de sol brilharam forte no céu para fortalecer as labaredas, e uma nuvem de fumaça cobriu a pira, enquanto trovões soavam no céu. Quando seus companheiros buscaram os restos do herói nas cinzas da pira, nada foi encontrado, o que serviu como prova que seu corpo havia ascendido ao Olimpo. E, lá no alto, Hércules foi aceito como um dos imortais. E a própria Hera finalmente aceitou sua presença e apaziguou sua ira.
Heracles, então, recebeu a mão da deusa Hebe, da eterna juventude, como sua esposa.

http://www.facom.ufba.br/com112_2000_1/mitos/heracles.htm

Altercom critica tortura da mídia

Reproduzo nota oficial da diretoria da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores Individuais de Comunicação (Altercom):

Passados 19 dias desde a vitória de Dilma Rousseff sobre Serra, por uma vantagem de 12 milhões de votos, a oposição e seu dispositivo midiático não recolheram as garras um só minuto.

Cinco dias após o revés nas urnas, o candidato derrotado estava em Biarritz levando um 'por que no te callas', em resposta a tentativa de armar o palanque da oposição em território francês.

O jornalismo que lhe dá apoio irrestrito não deixa por menos e cumpre escancaradamente uma agenda de terceiro turno. Dia sim, dia não, uma crise produzida e maquiada ganha as manchetes da mídia conservadora numa escalada ao mesmo tempo sôfrega e frívola.

Não escapa ao observador mais criterioso que os temas são apenas um ornamento do estandarte antecipadamente empunhado. A intenção, clara, é minar a autoridade da Presidente eleita antes mesmo de sua posse.

Agora, o dispositivo midiático da oposição reedita o "pau-de-arara" e empenha-se em dar legitimidade 'jornalística' a um relatório produzido pela ditadura militar sobre a militância revolucionária de Dilma Rousseff nos anos 70.

O que se promove nessa espiral é a reprodução simbólica das sessões de tortura perpetradas durante 22 dias seguidos contra uma jovem de 19 anos pelo regime de fato.

É aberrante do ponto de vista do fazer jornalístico emprestar credibilidade ao que foi transcrito por um Estado terrorista, concedendo força de prova ao que uma mulher declarou sob tortura.

Ademais, é um agravo à ética jornalística que uma mídia comercial ainda atue como aliada do extinto regime ditatorial, ao tomar seus documentos como válidos e legais.

Finalmente, constitui um escárnio em relação à história o fato de que a mesma mídia -os mesmos veículos - que se esponjou em benefícios econômicos e políticos concedidos pela ditadura nunca ter demonstrado maior interesse em apurar e divulgar os crimes cometidos pelo regime. Todavia, empenha-se acintosamente em se associar novamente à matéria pútrida urdida sob o regime do pau-de-arara para atacar a honra uma combatente da liberdade.

O enredo dessa trama está para o bom jornalismo, assim como o rio Tietê para a preservação do meio ambiente. A aposta em curso é a de que, uma vez Lula fora da cena política, não haverá força capaz de deter o trator oposicionista, cujas rodas em poucos meses pretendem transitar por cima do cadáver político do novo governo.

A mídia progressista repudia firmemente essa campanha ardilosa e coloca-se em prontidão para denunciá-la em respeito à vontade soberana do povo brasileiro.

Mídia e Ditadura

Reproduzo artigo de Emiliano José*

Talvez pudéssemos inverter um pouco a ordem das coisas: que tal, ao invés de divulgar o relato de processos do STM sobre pessoas covardemente torturadas, como o faz agora o secretariado da mídia golpista brasileira, perguntássemos sobre qual o papel dessa mesma mídia na implantação da ditadura militar?

Não seria algo elucidativo, educativo para as novas gerações? Que tal compreender a verdadeira natureza de nossa mídia hegemônica para, então, entender por que, nesse momento, usando processos inteiramente submetidos à ordem castrense, ao terror ditatorial, tenta atingir a presidente da República, recentemente eleita, numa espécie de vingança pela derrota que sofreu? Perguntar por que ela não se conforma com essa nova derrota, a terceira derrota da mídia nas últimas eleições, derrotada pela opinião pública brasileira. Com que direito quer um terceiro turno, ilegítimo, revelador apenas de seus ressentimentos?

Eu insisto: no Brasil a Casa Grande não descansa. E a principal voz da Casa Grande no Brasil é a mídia hegemônica, aquele grupo de poucas famílias que se pretende o intérprete da realidade brasileira, apesar de há muito ter deixado de sê-lo. Não vou retroceder muito no tempo. Não vou esmiuçar o papel destacado de nossa mídia na tentativa de golpe contra o presidente Getúlio Vargas. O quartel-general do golpe era permanentemente orientado pela mídia. A mídia hegemônica de então e o golpe já quase consumado foram derrotados pelo suicídio do presidente.
O que pretendo mesmo é refrescar a memória ou informar um pouco que seja sobre o papel de nossa mídia no golpe de 1964. Não se trata apenas de ela ter elaborado todo o discurso que deu sustentação ao golpe contra o presidente Jango Goulart. Não se trata disso somente.

Trata-se do fato, por demais evidente, e há vasto repertório bibliográfico a respeito, de que a mídia participou diretamente das articulações golpistas. Ela derrubou Goulart lado a lado com os militares golpistas. Reuniu-se com eles para preparar o golpe. Não tem como se defender disso. É algo que hoje já pertence à história.

Com isso se quer dizer, e creio que é preciso insistir nisso, que a mídia hegemônica brasileira foi um ator fundamental na construção de uma ditadura sanguinária, terrorista no Brasil, a mesma que vai torturar covardemente homens, mulheres, crianças, que vai desaparecer com pessoas depois de desfigurá-las, provocar suicídios, que será capaz de todas as crueldades, perversidades para garantir a sua continuidade no poder por 21 anos.

A Rede Globo, criada lá pelos finais de 1969, não foi uma simples iniciativa empresarial. Foi um empreendimento político. Com a Rede Globo pretendeu-se unificar o discurso da ditadura, justificar tudo ela pretendesse, inclusive os assassinatos, o terrorismo que ela praticava cotidianamente. Inúmeras vezes assistíamos, no Jornal Nacional, notícias dando conta do atropelamento de companheiros, da morte de um militante por outro, versões montadas pela repressão para justificar a morte nas masmorras da ditadura. A Rede Globo encarnava e ecoava a voz do terror, foi criada para tanto.

E o grupo Globo é apenas parte de toda uma estrutura midiática que deu sustentação à ditadura, embora talvez, então, a parte mais importante. Não é difícil lembrar do terrível, do terrorista general Garrastazu Médici, ditador, que dizia que bastava assistir ao Jornal Nacional para perceber como tudo caminhava às mil maravilhas no Brasil. O Jornal Nacional era o diário oficial da ditadura.

Por isso, não há como nos surpreendermos com a tentativa, canhestra, de tentar desqualificar a presidente Dilma, pinçando aspectos do vasto processo buscado nos arquivos do STM, como a matéria de 19 de novembro, de O Globo. Não nos surpreendemos, mas não há como não nos indignarmos. É a voz da ditadura que volta, são os mesmos métodos que voltam, embora, agora, por impossibilidade, a tortura física não possa voltar.

A um jornalismo sério, que tivesse compromisso com a história, a um jornalismo que tivesse alguma ligação, tênue que fosse, com a idéia de democracia, que se preocupasse com a educação das novas gerações, caberia discutir a monstruosidade da tortura, mostrar o que ela tem de lesa-humanidade, mostrar a necessidade de evitar que ela exista, inclusive nas cadeias brasileiras de hoje. Mostrar que qualquer processo que envolva tortura não merece qualquer crédito. Mas, não.

O jornalismo realmente existente vai pinçar aspectos no processo que eventualmente desgastem a presidente da República. Nos próximos dias, a mídia golpista vai se debruçar sobre isso, podem anotar. É a tentativa do terceiro turno, evidência do ressentimento pela terceira derrota – a mídia perdeu em 2002 e 2006, quando Lula venceu, e perdeu agora, com a vitória de Dilma. Não se conforma, A Casa Grande não descansa.

Nem sei, nem vou procurar saber sobre todo o processo que envolveu a presidente. Escrevi vários livros sobre a ditadura, inclusive sobre Carlos Lamarca e Carlos Marighella, que tangenciam organizações revolucionárias pelas quais a presidente Dilma passou – e que orgulho ter militado em organizações revolucionárias. Não me detive, no entanto, na trajetória específica da presidente Dilma Roussef, nem caberia.

Mas será que os jornalistas que têm feito o papel de pescadores de leads e subleads negativos, de títulos desqualificadores da presidente têm alguma noção do que seja a tortura? Imagino que não, até porque só obedecem ordens, a pauta é previamente pensada, ordenada, e depois se faz a matéria.

Repito aqui o que escrevi em um dos meus livros, valendo-me das contribuições do psicanalista Hélio Pellegrino. A tortura nunca é mero procedimento técnico destinado à coleta rápida de informações. É também isso, mas nunca apenas isso. Ela é a expressão tenebrosa da patologia de todo um sistema social e político, expressão da ditadura militar de então. Ela visa à destruição do ser humano.

À custa de um sofrimento corporal inimaginável, teoricamente insuportável, a tortura pretende separar corpo e mente, instalar a guerra entre um e outro, semear a discórdia entre ambos. O corpo torna-se um inimigo – com sua dor, atormenta o torturado, persegue o torturado. A mente vai para um lado, o corpo sofrido para outro. O torturado fica exposto ao sol e à chuva, ao desabrigo absoluto, sem chão, entregue às ansiedades inconscientes mais primitivas. E apesar disso, tantas vezes, tantos de nós, quando não fomos trucidados e mortos na tortura, resistimos a esse terror, e saímos inteiros, ou quase inteiros, dessa situação-limite.

O que vale um processo feito sob a ditadura? O que valem declarações tiradas sob tortura? Responderia que valem apenas para revelar o que foi o terror, para revelar o que fizeram com as vítimas desse terror. Por que nos impressionamos e nos indignamos tanto com as vítimas do nazi-fascismo, inclusive nossa mídia, impressão e indignação justas, e somos, lá eles como costumam dizer os baianos, tão condescendentes com o terror da ditadura, com as torturas dos assassinos do período 1964-1985?

Eu compreendendo por que a mídia age assim com a nossa memória histórica, e já o disse antes: age assim pela simples razão de que ela tem tudo a ver com a gênese da ditadura, porque dela não pode se apartar, lamentavelmente. Por isso, nos preparemos para a luta dos próximos dias: ela vai buscar nos porões da ditadura o que possa servir aos seus propósitos de lutar contra o governo democrático, republicano e popular da presidente Dilma. E nos encontrará onde sempre estivemos: na luta intransigente, isso mesmo, intransigente, a favor da democracia, dos direitos humanos, e contra toda sorte de crimes contra a humanidade.

(*) Jornalista, escritor

Mídia e Ditadura

Reproduzo artigo de Emiliano José*

Talvez pudéssemos inverter um pouco a ordem das coisas: que tal, ao invés de divulgar o relato de processos do STM sobre pessoas covardemente torturadas, como o faz agora o secretariado da mídia golpista brasileira, perguntássemos sobre qual o papel dessa mesma mídia na implantação da ditadura militar?

Não seria algo elucidativo, educativo para as novas gerações? Que tal compreender a verdadeira natureza de nossa mídia hegemônica para, então, entender por que, nesse momento, usando processos inteiramente submetidos à ordem castrense, ao terror ditatorial, tenta atingir a presidente da República, recentemente eleita, numa espécie de vingança pela derrota que sofreu? Perguntar por que ela não se conforma com essa nova derrota, a terceira derrota da mídia nas últimas eleições, derrotada pela opinião pública brasileira. Com que direito quer um terceiro turno, ilegítimo, revelador apenas de seus ressentimentos?

Eu insisto: no Brasil a Casa Grande não descansa. E a principal voz da Casa Grande no Brasil é a mídia hegemônica, aquele grupo de poucas famílias que se pretende o intérprete da realidade brasileira, apesar de há muito ter deixado de sê-lo. Não vou retroceder muito no tempo. Não vou esmiuçar o papel destacado de nossa mídia na tentativa de golpe contra o presidente Getúlio Vargas. O quartel-general do golpe era permanentemente orientado pela mídia. A mídia hegemônica de então e o golpe já quase consumado foram derrotados pelo suicídio do presidente.
O que pretendo mesmo é refrescar a memória ou informar um pouco que seja sobre o papel de nossa mídia no golpe de 1964. Não se trata apenas de ela ter elaborado todo o discurso que deu sustentação ao golpe contra o presidente Jango Goulart. Não se trata disso somente.

Trata-se do fato, por demais evidente, e há vasto repertório bibliográfico a respeito, de que a mídia participou diretamente das articulações golpistas. Ela derrubou Goulart lado a lado com os militares golpistas. Reuniu-se com eles para preparar o golpe. Não tem como se defender disso. É algo que hoje já pertence à história.

Com isso se quer dizer, e creio que é preciso insistir nisso, que a mídia hegemônica brasileira foi um ator fundamental na construção de uma ditadura sanguinária, terrorista no Brasil, a mesma que vai torturar covardemente homens, mulheres, crianças, que vai desaparecer com pessoas depois de desfigurá-las, provocar suicídios, que será capaz de todas as crueldades, perversidades para garantir a sua continuidade no poder por 21 anos.

A Rede Globo, criada lá pelos finais de 1969, não foi uma simples iniciativa empresarial. Foi um empreendimento político. Com a Rede Globo pretendeu-se unificar o discurso da ditadura, justificar tudo ela pretendesse, inclusive os assassinatos, o terrorismo que ela praticava cotidianamente. Inúmeras vezes assistíamos, no Jornal Nacional, notícias dando conta do atropelamento de companheiros, da morte de um militante por outro, versões montadas pela repressão para justificar a morte nas masmorras da ditadura. A Rede Globo encarnava e ecoava a voz do terror, foi criada para tanto.

E o grupo Globo é apenas parte de toda uma estrutura midiática que deu sustentação à ditadura, embora talvez, então, a parte mais importante. Não é difícil lembrar do terrível, do terrorista general Garrastazu Médici, ditador, que dizia que bastava assistir ao Jornal Nacional para perceber como tudo caminhava às mil maravilhas no Brasil. O Jornal Nacional era o diário oficial da ditadura.

Por isso, não há como nos surpreendermos com a tentativa, canhestra, de tentar desqualificar a presidente Dilma, pinçando aspectos do vasto processo buscado nos arquivos do STM, como a matéria de 19 de novembro, de O Globo. Não nos surpreendemos, mas não há como não nos indignarmos. É a voz da ditadura que volta, são os mesmos métodos que voltam, embora, agora, por impossibilidade, a tortura física não possa voltar.

A um jornalismo sério, que tivesse compromisso com a história, a um jornalismo que tivesse alguma ligação, tênue que fosse, com a idéia de democracia, que se preocupasse com a educação das novas gerações, caberia discutir a monstruosidade da tortura, mostrar o que ela tem de lesa-humanidade, mostrar a necessidade de evitar que ela exista, inclusive nas cadeias brasileiras de hoje. Mostrar que qualquer processo que envolva tortura não merece qualquer crédito. Mas, não.

O jornalismo realmente existente vai pinçar aspectos no processo que eventualmente desgastem a presidente da República. Nos próximos dias, a mídia golpista vai se debruçar sobre isso, podem anotar. É a tentativa do terceiro turno, evidência do ressentimento pela terceira derrota – a mídia perdeu em 2002 e 2006, quando Lula venceu, e perdeu agora, com a vitória de Dilma. Não se conforma, A Casa Grande não descansa.

Nem sei, nem vou procurar saber sobre todo o processo que envolveu a presidente. Escrevi vários livros sobre a ditadura, inclusive sobre Carlos Lamarca e Carlos Marighella, que tangenciam organizações revolucionárias pelas quais a presidente Dilma passou – e que orgulho ter militado em organizações revolucionárias. Não me detive, no entanto, na trajetória específica da presidente Dilma Roussef, nem caberia.

Mas será que os jornalistas que têm feito o papel de pescadores de leads e subleads negativos, de títulos desqualificadores da presidente têm alguma noção do que seja a tortura? Imagino que não, até porque só obedecem ordens, a pauta é previamente pensada, ordenada, e depois se faz a matéria.

Repito aqui o que escrevi em um dos meus livros, valendo-me das contribuições do psicanalista Hélio Pellegrino. A tortura nunca é mero procedimento técnico destinado à coleta rápida de informações. É também isso, mas nunca apenas isso. Ela é a expressão tenebrosa da patologia de todo um sistema social e político, expressão da ditadura militar de então. Ela visa à destruição do ser humano.

À custa de um sofrimento corporal inimaginável, teoricamente insuportável, a tortura pretende separar corpo e mente, instalar a guerra entre um e outro, semear a discórdia entre ambos. O corpo torna-se um inimigo – com sua dor, atormenta o torturado, persegue o torturado. A mente vai para um lado, o corpo sofrido para outro. O torturado fica exposto ao sol e à chuva, ao desabrigo absoluto, sem chão, entregue às ansiedades inconscientes mais primitivas. E apesar disso, tantas vezes, tantos de nós, quando não fomos trucidados e mortos na tortura, resistimos a esse terror, e saímos inteiros, ou quase inteiros, dessa situação-limite.

O que vale um processo feito sob a ditadura? O que valem declarações tiradas sob tortura? Responderia que valem apenas para revelar o que foi o terror, para revelar o que fizeram com as vítimas desse terror. Por que nos impressionamos e nos indignamos tanto com as vítimas do nazi-fascismo, inclusive nossa mídia, impressão e indignação justas, e somos, lá eles como costumam dizer os baianos, tão condescendentes com o terror da ditadura, com as torturas dos assassinos do período 1964-1985?

Eu compreendendo por que a mídia age assim com a nossa memória histórica, e já o disse antes: age assim pela simples razão de que ela tem tudo a ver com a gênese da ditadura, porque dela não pode se apartar, lamentavelmente. Por isso, nos preparemos para a luta dos próximos dias: ela vai buscar nos porões da ditadura o que possa servir aos seus propósitos de lutar contra o governo democrático, republicano e popular da presidente Dilma. E nos encontrará onde sempre estivemos: na luta intransigente, isso mesmo, intransigente, a favor da democracia, dos direitos humanos, e contra toda sorte de crimes contra a humanidade.

(*) Jornalista, escritor

Guerra entre o preconceito e a informação

Reproduzo entrevista publicada pelo sítio Carta Maior:

Em entrevista à Carta Maior, Marilena Chauí avalia a guerra eleitoral travada na disputa presidencial e chama a atenção para a dificuldade que a oposição teve em manter um alvo único na criação da imagem de Dilma Rousseff: "O preconceito começou com a guerrilheira, não deu certo; passou, então, para a administradora sem experiência política, não deu certo; passou para a afilhada de Lula, não deu certo; desembestou na fúria anti-aborto, e não deu certo. E não deu certo porque a população dispõe dos fatos concretos resultantes das políticas do governo Lula".

Para a professora de Filosofia da USP, essa foi a novidade mais instigante da eleição: a guerra se deu entre o preconceito e a verdadeira informação. E esta última venceu.

Qual sua avaliação sobre a cobertura da chamada grande mídia brasileira nas eleições deste ano? Na sua opinião, houve alguma surpresa ou novidade em relação à eleição anterior?

Eu diria que, desta vez, o cerco foi mais intenso, assumindo tons de guerra, mais do que mera polarização de opiniões políticas. Mas não foi surpresa: se considerarmos que 92% da população aprovam o governo Lula como ótimo e bom, 4% o consideram regular, restam 4% de desaprovação a qual está concentrada nos meios de comunicação. São as empresas e seus empregados que representam esses 4% e são eles quem têm o poder de fogo para a guerra.

O interessante foi a dificuldade para manter um alvo único na criação da imagem de Dilma Rousseff: o preconceito começou com a guerrilheira, não deu certo; passou, então, para a administradora sem experiência política, não deu certo; passou, então, para a afilhada de Lula, não deu certo; desembestou na fúria anti-aborto, e não deu certo. E não deu certo porque a população dispõe dos fatos concretos resultantes das políticas do governo Lula.

Isso me parece a novidade mais instigante, isto é, uma sociedade diretamente informada pelas ações governamentais que mudaram seu modo de vida e suas perspectivas, de maneira que a guerra se deu entre o preconceito e a verdadeira informação.

Passada a eleição, um dos debates que deve marcar o próximo período diz respeito à regulamentação do setor de comunicação. Como se sabe, a resistência das grandes empresas de mídia é muito forte. Como superar essa resistência?

Numa democracia, o direito à informação é essencial. Tanto o direito de produzir e difundir informação como o direito de receber e ter acesso à informação. Isso se chama isegoria, palavra criada pelos inventores da democracia, os gregos, significando o direito emitir em público uma opinião para ser discutida e votada, assim como o direito de receber uma opinião para avaliá-la, aceitá-la ou rejeitá-la.

Justamente por isso, em todos os países democráticos, existe regulamentação do setor de comunicação. Essa regulamentação visa assegurar a isegoria, a liberdade de expressão e o direito ao contraditório, além de diminuir, tanto quanto possível, o monopólio da informação.

Evidentemente, hoje essa regulamentação encontra dificuldades postas pela estrutura oligopólica dos meios, controlados globalmente por um pequeno número de empresas transnacionais. Mas não é por ser difícil, que a regulamentação não deve ser estabelecida e defendida. Trata-se da batalha moderna entre o público e o privado.

Você concorda com a seguinte afirmação: "A mídia brasileira é uma das mais autoritárias do mundo".

Se deixarmos de lado o caso óbvio das ditaduras e considerarmos apenas as repúblicas democráticas, concordo.

Na sua opinião, é possível fazer alguma distinção entre os grandes veículos midiáticos, do ponto de vista de sua orientação editorial? Ou o que predomina é um pensamento único mesmo.

As variações se dão no interior do pensamento único, isto é, da hegemonia pós-moderna e neoliberal. Ou seja, há setores reacionários de extrema direita, setores claramente conservadores e setores que usam “a folha de parreira”. A folha de parreira, segundo a lenda, serviu para Adão e Eva se cobrirem quando descobriram que estavam nus.

Na mídia, a “folha de parreira” consiste em dar um pequeno e controlado espaço à opinião divergente ou contrária à linha da empresa. Às vezes, não dá certo. O caso do Estadão contra Maria Rita Kehl mostra que uma vigorosa voz destoante no coral do “sim senhor” não pode ser suportada.

Liberdade na internet corre sério risco

Reproduzo artigo de Altamiro Borges, postado no Blog do Miro

O jornal O Globo noticia hoje (22) que tramita nos EUA um projeto de lei de censura à internet. Batizado de Combating Online Infringement and Counterfeits Act, ele dá poder ao governo para mandar bloquear sítios e domínios. “E não é só essa a ameaça à privacidade na rede mundial. Segundo o The New York Times, diretores do FBI já se reuniram com executivos da Google e Facebook, entre outras empresas, para discutir uma proposta que torne mais fácil grampear internautas”.

O projeto em tramitação visa reforçar uma lei de 1994, chamada de Communications Assistance for Law Enforcement Act. Ela define que as operadoras de telecomunicações e os provedores de internet e banda larga devem cumprir as ordens judiciais que exijam escutas telefônicas. Agora, o FBI quer estender o controle também às gigantes do setor, como Google e Facebook. A desculpa usada é o da defesa do direito autoral, mas o intento evidente é censurar o conteúdo na internet.

Censura prévia na rede

De autoria do senador democrata Patrick Leahy, o projeto de lei está recebendo duras críticas das entidades defensoras da liberdade de expressão. A Electronic Frontier Foundation (EFF) chegou a compilar uma lista dos sítios e blogs que terão de sair da rede se ele for aprovado. Segundo a EFF, apesar da repressão já existente nos EUA, hoje ainda há um equilíbrio entre “as punições devido ao copyright violado e à liberdade dos sites de inovar”. Com a nova lei, os grupos de defesa da liberdade na internet avaliam que será instaurada de vez a censura prévia na rede.

Brian Contos, diretor de Estratégia de Segurança Global e Gestão de Risco da McAfee, afirmou ao jornal O Globo que o projeto gera fortes temores. “Há sempre uma preocupação com o que é censurado agora e o que será censurado depois”. Já para David Post, professor da Universidade de Temple, “se virar lei, o projeto criará um perigoso precedente com sérias conseqüências em potencial para a liberdade de expressão e a liberdade da internet global”. Isto porque o projeto prevê também o bloqueio unilateral de sítios e domínios produzidos fora dos EUA.

AI-5 digital do senador tucano

O projeto de lei em tramitação nos EUA evidencia que a liberdade na internet corre sérios riscos. As poderosas empresas do setor querem restringir seu uso por motivos econômicos, para coibir a livre circulação de conteúdo na rede; já os governos e legisladores autoritários tentam controlar a internet por motivos políticos, para impedir a pluralidade e diversidade informativas. Não é para menos que também no Brasil tramita, de forma sorrateira, um projeto para censurar a internet.

De autoria do senador Eduardo Azeredo, do PSDB de Minas Gerais, o projeto de lei (PL) 84/99 representa duro golpe na liberdade de expressão. Tanto é que ele já foi batizado de AI-5 digital, numa referência ao ato institucional que os generais baixaram em 1968 endurecendo ainda mais a ditadura. Em outubro, em pleno embate eleitoral, o PL foi aprovado às pressas, numa manobra legislativa na calada da noite, em duas comissões da Câmara Federal.

Como aponta Luiz Carvalho, num artigo ao sítio da CUT, o projeto do senador tucano viola os direitos civis, transfere à sociedade a responsabilidade sobre a segurança na internet que deveria ser das empresas, dificulta a inclusão digital e trata como crime sujeito à prisão de até três anos a transferência ou fornecimento não autorizado de dados – o que pode incluir desde baixar músicas até a mera citação de trechos de uma matéria num blog. Entre as aberrações do PL, ele pontua:

Quebra de sigilo

Ironicamente, o PL do parlamentar ligado ao partido que se diz vítima de uma suposta quebra de sigilo nas eleições, determina que os dados dos internautas possam ser divulgados ao Ministério Público ou à polícia sem a necessidade de uma ordem judicial. Na prática, será possível quebrar o sigilo de qualquer pessoa sem autorização da Justiça, ao contrário do que diz a Constituição.

Internet para ricos

Azeredo quer ainda que os provedores de acesso à Internet e de conteúdo (serviços de e-mail , publicadores de blog e o Google) guardem o registro de toda a navegação de cada usuário por três anos, com a origem, a hora e a data da conexão. Além de exemplo de violação à privacidade, o projeto deixa claro: para os tucanos, internet é para quem pode pagar, já que nas redes sem fio que algumas cidades já estão implementando para aumentar a inclusão digital, várias pessoas navegam com o mesmo número de IP (o endereço na internet).

Ajudinha aos banqueiros

Um dos argumentos do deputado ficha suja reeleito em 2010 – responde a ação penal por peculato e lavagem ou ocultação de bem – é que o rastreamento das pessoas que utilizam a internet ajudará a acabar com as fraudes bancárias. Seria mais eficaz que os bancos fossem obrigados a adotar uma assinatura digital nas transações para todos os clientes. Mas isso geraria mais custos aos bancos e o parlamentar não quer se indispor com eles.

domingo, 21 de novembro de 2010

O Globo e Folha “torturam” Dilma

Reproduzo artigo de Altamiro Borges, postado no Blog do Miro

Ainda lambendo as feridas da derrota do seu candidato, a mídia demotucana já afia as suas armas para “torturar” a presidenta Dilma Rousseff. No seu arsenal, ela não vacila em utilizar os arquivos da ditadura, dando voz aos torturadores e carrascos. Com base num processo movido pela Folha, o Superior Tribunal Militar liberou nesta semana alguns documentos deste sombrio período. O STM bem poderia liberar também os relatórios sobre a cumplicidade da mídia com os golpistas.

Jogo sujo e combinado

Na sexta-feira, 19, o jornal O Globo – pertencente à famíglia Marinho, que ergueu o seu império com o apoio dos golpistas – foi o primeiro a explorar o arquivo. Pareceu até jogo combinado. A ávida Folha conseguiu os papéis e O Globo deu a largada com o título “Documentos da ditadura dizem que Dilma 'assessorou' assaltos a bancos”. O jornal informa que os dezesseis volumes de anotações liberados pelo STM “descrevem a ex-militante como figura de expressão nos grupos em que atuou, que chefiou greves e ‘assessorou assaltos a bancos’, e nunca se arrependeu”.

Com base nas opiniões dos carrascos, O Globo diz que Dilma era chamada de “Joana D’Arc da subversão” e que seria “uma figura feminina de expressão tristemente notável”. Ele ainda destaca o relatório sobre os militantes da VAR-Palmares escrito pelo delegado Newton Fernandes. Em 12 linhas, ele traça o “perfil” de Dilma: “Uma das molas mestras e um dos cérebros dos esquemas revolucionários postos em prática pelas esquerdas radicais... É antiga militante de esquemas subversivo-terroristas... Trata-se de uma pessoa de dotação intelectual bastante apreciável”.

O rótulo de “terrorista”

No sábado, 20, foi a vez de a Folha fazer escarcéu com os documentos. Sem contextualizar a luta de resistência à ditadura – inclusive reconhecendo que a famíglia Frias apoiou o golpe e até ajudou a transportar presos políticos para a tortura –, o jornal estampou na capa: “Dilma tinha o código de acesso a arsenal usado por guerrilha”. A matéria informa que a “revelação foi feita em 1970 sob tortura por ex-colega da petista na luta armada”. Nas entrelinhas, fica implícito o seu objetivo de carimbar em Dilma Rousseff o rótulo de “terrorista”.

“A presidente eleita zelava, junto com outros dois militantes, pelo arsenal da VAR-Palmares... Entre os armamentos, havia 58 fuzis Mauser, 4 metralhadoras Ina, 2 revólveres, 3 carabinas, 3 latas de pólvora, 10 bombas de efeito moral, 100 gramas de clorofórmio, 1 rojão de fabricação caseira, 4 latas de ‘dinamite granulada’ e 30 frascos com substâncias para ‘confecção de matérias explosivas’, como ácido nítrico. Além de caixas com centenas de munições”. Noutro trecho, diz que este arsenal foi usado em assaltos a bancos e mercados e que Dilma Rousseff era informada destas “operações armadas” com três dias de antecedência.

Enfrentar os saudosos da ditadura

As duas primeiras “reporcagens” com base nos arquivos da ditadura liberados pelo STM comprovam que a mídia demotucana não dará trégua à presidenta eleita. O objetivo é enquadrá-la, ameaçando com seu arsenal de baixarias, e desgastá-la. Neste esforço, a mídia oligárquica, que clamou pelo golpe militar de 1964 e que apoiou ativamente os generais-carrascos, tentará omitir os seus próprios crimes. É preciso firmeza para enfrentar os saudosos da ditadura militar. Dilma Rousseff foi uma heroína da luta pela democracia; já a mídia golpista foi cúmplice das torturas e assassinatos.

É preciso manter a mesma coragem que a ex-ministra demonstrou quando foi “interrogada” pelo senador Agripino Maia, em 2008. Na ocasião, diante do demo, ela relatou as bárbaras torturas que sofreu e reafirmou a sua luta contra a ditadura. “Qualquer comparação entre a ditadura militar e a democracia brasileira só pode partir de quem não dá valor à democracia brasileira... Eu tinha 19 anos. Fiquei três anos na cadeia. E fui barbaramente torturada, senador... E isso, senador, faz parte e integra a minha biografia, de que tenho imenso orgulho”.

sábado, 20 de novembro de 2010

A vingança póstuma de Otavio Frias

Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, publicado no Blog da Cidadania:

O homem fardado e a declaração na foto(no Blog da Cidadania)acima correspondem a Otávio Frias de Oliveira, o falecido fundador do jornal Folha de São Paulo. Imagem e palavras pertencem a momentos distintos de sua vida. Todavia, unidas explicam por que seu herdeiro Otavio Frias Filho, o “Otavinho”, foi resgatar em arquivos dos órgãos de repressão da ditadura militar as desculpas usadas por esta para prender e torturar Dilma Vana Rousseff, a presidente eleita do Brasil.

Frias de Oliveira lutou na Revolução Constitucionalista de 1932, que tentou dar um golpe de Estado contra Getúlio Vargas. Coerente com seu apreço pelo militarismo e pela derrubada de governos dos quais não gostava, apoiou o golpe militar de 1964. Nesse período, a Folha de São Paulo serviu de voz e pernas para os ditadores que se sucederiam no poder ao exaltá-los e ao transportar para eles seus presos políticos até os centros de tortura do regime.

No dia 21 de setembro de 1971, a Ação Libertadora Nacional (ALN) incendiou camionetes da Folha que eram utilizadas para entregar jornais. Os responsáveis acusavam o dono do jornal de emprestar os veículos para transporte de presos políticos. Frias de Oliveira respondeu ao atentado publicando um editorial na primeira página no dia seguinte, sob o título “Banditismo”.

Eis um trecho do texto:

“Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social - realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama. [...] Um país, enfim, de onde a subversão - que se alimenta do ódio e cultiva a violência – está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma imprensa que os remanescentes do terror querem golpear.” (Editorial: Banditismo – publicado em 22 de setembro de 1971; Octavio Frias de Oliveira).

O presidente da República de então era Emílio Garrastazu Médici. Nomeado presidente pelos militares, comandou o período mais duro da ditadura militar. Foi a época do auge das prisões, torturas e assassinatos de militantes políticos de esquerda pelo regime.

Apesar dos elogios de Frias de Oliveira à ditadura, segundo a Fundação Getúlio Vargas foi no governo Médici que a miséria e a concentração de renda ganharam impulso. O Brasil teve o 9º Produto Nacional Bruto do mundo no período, mas em desnutrição perdia apenas para Índia, Indonésia, Bangladesh, Paquistão e Filipinas.

O uso político que o jornal Folha de São Paulo começou a fazer neste sábado das desculpas da ditadura para prender e torturar impiedosamente uma garota de 19 anos que lutava para libertar seu país do regime de exceção constitui-se, portanto, em uma vingança póstuma de um homem que dedicou sua vida à uma luta incessante contra a democracia, obviamente por acreditar que o povo não sabia votar.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Escola do MST recebe melhor nota do Enem

Reproduzo artigo de Altamiro Borges, postado no Blog do Miro

Nos últimos dias, a mídia demotucana tem feito um grande alarde contra o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Devido a falhas lamentáveis em algumas provas, ela decidiu transformar o assunto na sua primeira bandeira de oposição ao futuro governo Dilma Rousseff. De quebra, ainda presta um serviço à poderosa indústria do vestibular e às faculdades privadas. O Grupo Folha, dono da gráfica que imprimiu as provas irregulares, é um dos que mais fustiga o Enem.

Com sua cobertura enviesada e manipuladora, a mídia omite fatos curiosos do Enem. Um deles, que ela nunca divulgaria, é que a Escola Semente da Conquista, localizada no assentamento 25 de Maio, em Santa Catarina, foi o destaque do Exame Nacional em 2009, conforme noticiado na página oficial do Enem. Ela ocupou a primeira posição no município, com nota de 505,69.

Semente da Conquista

Nesta escola estudam 112 filhos de assentados, de 14 a 21 anos. Ela é dirigida por militantes do MST e os professores foram indicados pelos próprios assentados do município de Abelardo Luz, cidade com o maior número de famílias assentadas no estado. São 1.418 famílias, morando em 23 assentamentos. A primeira colocação no Enem foi comemorada pelas famílias de sem-terra.

A mídia, porém, nada falou sobre esta vitória. Segundo o sítio do MST, “essa conquista, histórica para uma instituição de ensino do campo, ficou fora da atenção da mídia, como também é pouco reconhecida pelas autoridades políticas de nosso estado. A engrenagem ideológica sustentada pela mídia e pelas elites rejeita todas as formas de protagonismo popular, especialmente quando esses sujeitos demonstram, na prática, que é possível outro modelo de educação”.

“A Escola Semente da Conquista é sinal de luta contra o sistema que nada faz contra os índices de analfabetismo e êxodo rural. Vale destacar que vivemos numa sociedade em que as melhores bibliotecas, cinemas, teatros são para uma pequena elite... Mesmo com todas as dificuldades, a escola foi destaque entre as escolas do município. Este fato não é apenas mérito dos educandos, mas sim da proposta pedagógica do MST, que tem na sua essência a formação de novos homens e mulheres, sujeitos do seu processo histórico em construção e em constante aprendizado”.

Veja e suas capas eleitorais - 1994/2010

Reproduzo artigo de Washington Araújo, publicado no sítio Carta Maior:

Vez por outra sinto-me inclinado a observar como a história do Brasil é contada através do cotejo de capas e manchetes dos principais jornais e revistas do país em momentos singulares de nossa história política e social. Há algum tempo nutri a curiosidade de saber como Veja – a revista semanal de informação com maior circulação no país – produziu suas capas nas duas últimas semanas dos pleitos presidenciais de 1994, 1998, 2006 e este mais recente de 2010.

A edição de Veja n° 1389, de 28/9/1994, trazia um macaco na capa e a manchete “O elo perdido” e o educativo subtítulo “pesquisadores descobrem na África o ancestral do homem mais próximo dos macacos”. O sucesso do Plano Real era de tal magnitude que a revista se abstinha de tratar do assunto mais impactante (e palpitante!) do ano, do mês e da quinzena: a eleição presidencial.

Mas, faltando apenas uma semana para o dia da eleição, a revista da Abril não conseguiu controlar sua ansiedade e resolveu transformar em panfleto sua última edição antes de os votos serem lançados na urna. É emblemática a capa da Veja (1360, de 5/10/1994) trazendo a ilustração de uma mão colocando o voto em uma urna e a manchete “O que o eleitor quer: Ordem, Continuidade e Prudência – O que o eleitor não quer: Salvador da Pátria, Pacotes e Escândalos”.

Todo o palavreado poderia ser descrito em apenas nove letras: Vote em FHC.

Quatro anos depois, novo pleito presidencial. A grande novidade dessas eleições – e também o maior escândalo político-financeiro do ano – foi a introdução na política brasileira do instituto da reeleição. A penúltima capa de Veja antes das eleições (1566, de 30/9/1998) trazia a imagem de um executivo engravatado e com a cabeça de madeira. Ou sejam, óleo de peroba é bom quando é para lustrar a cara-de-pau dos outros. A manchete colocava todos os políticos no mesmo balaio de gatos: “Por que o Brasil desconfia dos políticos” e o subtítulo “Os melhores e os piores deputados e senadores às vésperas das eleições”. Desnecessário dizer qual o critério de valoração utilizado pela revista. Se a capa anterior tratava de fincar o prego, na semana das eleições a revista tratava de lhe entortar a ponta.

E assim, sem qualquer melindre, sem ninguém para lhe chamar de governista ou para denunciar seu jornalismo como típico daquele produzido em comitê de campanha, a capa de Veja (1567, de 7/10/1998) trazia a foto de um sorridente Fernando Henrique Cardoso, fazendo o sinal de positivo com o polegar e a manchete “Agora é guerra”. Dificilmente uma imagem contraria tanto a mensagem escrita quanto esta. É que ninguém vai para a guerra sorrindo de orelha a orelha e cheio de otimismo. Mas foi essa a imagem escolhida pelo carro-chefe das revistas da Abril.

A opção preferencial da revista ficava bem em alto relevo nos subtítulos: “O desafio de FHC reeleito é impedir que a crise afunde o Brasil do Real – A mexida secreta na Previdência – As outras medidas que vêm por aí – Em maio ele pensou em desistir da reeleição”. Bem no estilo Jean-Paul Sartre para quem “o inferno são os outros”, Veja acenava com o paraíso a ser conquistado com a reeleição de seu presidente e carregava na cores do medo ao pintar um cenário em que o Plano Real afundaria e com este o país como um todo.

Nada como a constatação do filósofo contemporâneo Cazuza (1958-1990) de que realmente “o tempo não para”. Novo pleito presidencial. Estamos em 2002. Na semana em que se realizaria o primeiro turno a capa de Veja (1773, de 16/10/2002) trazia fotomontagem de dinossauros com cabeças de políticos simbolizando Quércia, Newton Cardoso, Brizola, Collor e Maluf. A manchete foi “O parque dos dinossauros” e uma tabuleta com o subtítulo “Estas espécies foram tiradas de circulação”.

Como aprendiz de clarividente a revista não foi aprovada como os anos seguintes iriam mostrar: Quércia sempre manteve seu poder político em São Paulo (e em 2010 estava em vias de se eleger senador caso não tivesse enfrentado grave problema de saúde na reta final da campanha); Newton Cardoso foi eleito Deputado Federal em 2010; Brizola morreu; Collor foi absolvido pela Supremo Tribunal Federal dos vários episódios que culminaram com seu impeachment em 1992 e em 2006 foi eleito senador por Alagoas; Paulo Maluf foi eleito Deputado Federal em 2006 com a maior votação proporcional do país e reeleito em 2010 com a terceira maior votação de São Paulo.

Na semana em que se realizou o segundo turno para presidente da República em 2002, a capa da revista Veja (1774, de 23/10/2002) trazia ilustração e fotomontagem de cachorro na coleira com três cabeças – Marx, Trotsky e Lênin. A manchete: “O que querem os radicais do PT?”. Na lateral superior esquerda o alerta “Brasil – o risco de um calote na dívida”. Como subtítulo: “Entre os petistas, 30% são de alas revolucionárias. Ficaram silenciosos durante a campanha. Se Lula ganhar, vão cobrar a fatura. O PT diz que não paga”. Ainda assim, é comum que a revista se apresente ao país como revista independente, sem qualquer vínculo político-partidário, plural etc., etc., etc.

Chega 2006 e com ele mais um pleito presidencial. Deixemos de lado as capas nas duas semanas dos primeiro turno. A capa de Veja (1979, de 25/10/2006) trazia a foto (um tanto assustado) do filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e como a lhe fazer sombra a imagem em tons fantasmagórica do pai presidente. A manchete: “O ´Ronaldinho´ de Lula” e o subtítulo “O presidente comparou o filho empresário ao craque de futebol. Mas os dons fenomenais de Fábio Luís, o Lulinha, só apareceram depois que o pai chegou ao Planalto”. As matérias internas eram compostos de livres exercícios de desconstrução da imagem do presidente candidato à reeleição.

Tudo o que podia existir de errado no país ao longo dos últimos quatro anos era creditado na conta de Luiz Inácio Lula da Silva. E o que, porventura, dera certo, estava creditado na conta de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, agora representado pelo candidato tucano Geraldo Alckmin. Este raciocínio, compartilhado não apenas pela revista da Abril - mas também pelos principais jornais e emissoras de rádio e tevê do país -, continua vigente até este ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Na semana das eleições a capa de Veja (1980, de 01/11/2006) trazia duas cabeças de perfil – Alckmin e Lula, olhando em direções opostas. A manchete “Dois Brasis depois do voto?” Mais o subtítulo alarmista: “Os desafios do presidente eleito para unir um país dividido e fazer o Brasil funcionar”.

Parece que o baú de Veja não guarda truques novos. Apostar no medo, no pânico da população está sempre ao alcance de suas mãos. Também soa extemporâneo declarar o óbvio sobre quem “dividiu o país” e quem “fará o país funcionar”. Isso fica claro nas reportagens internas dessa edição.

Mudemos agora um pouco o padrão de análise a que me incumbi. Em relação ao pleito recém-concluído optei por destacar quatro capas de Veja, em sequência. Elas dizem à larga como a revista tomou partido ao longo dos últimos anos, como explicitou suas preferências partidárias e como encontrou fôlego para manter o discurso que é ‘politicamente independente e sem nenhum compromisso, a não ser perante ela própria e os seus leitores, e que não se identifica com nenhum partido ou grupo social’.

– Veja n° 2181, de 8/9/2010 trazia na capa a ilustração em primeiro plano de um polvo se enroscando no brasão da República. A aterrorizante imagem é realçada pelo fundo negro contra o qual é inserida a medonha ilustração. A manchete “O partido do polvo” e o subtítulo “A quebra de sigilo fiscal de filha de José Serra, é sintoma do avanço tentacular de interesses partidários e ideológicos sobre o estado brasileiro”. A revista pode até ter pudores de não dizer na capa quem é o seu candidato à presidência do Brasil mas não guarda nenhum pudor em satanizar quem, definitivamente, não merece seu respaldo.

– Veja n° 2182, de 15/9/2010 repetia na capa a mesma ilustração sendo que agora o polvo enrosca seus tentáculos em maços de dinheiro. Mudou o pano de fundo que agora é avermelhado. Manchete “Exclusivo – O polvo no poder”. Subtítulo “Empresário conta como obteve contratos de 84 milhões de reais no governo graças à intermediação do filho de Erenice Guerra, ministra-chefe da Casa Civil, que foi o braço direito de Dilma Rousseff”.

– Veja n° 2183, de 22/9/2010 tem novamente na capa o famoso molusco marinho da classe Cephalopoda lançando gigantescos tentáculos dentro do espelho d´água do Palácio do Planalto. Alguns tentáculos já se enroscando nas colunas projetadas por Oscar Niemeyer. A manchete: “A alegria do polvo”, um balão daqueles de revista em quadrinhos e delimitado por raios abarcava a interjeição “Caraca! Que dinheiro é esse?”. Ao lado longo texto explicativo sobre o autor da espantada locução: “Vinícius Castro, ex-funcionário da Casa Civil, ao abrir uma gaveta cheia de pacotes de dinheiro, na reação mais extraordinária do escândalo que derrubou Erenice Guerra”.

– Veja n° 2184, de 29/9/2010 mostra que os dias de celebridade do predador octopoda haviam terminado. Agora a capa reproduz página da Constituição Federal, onde se podia ler excertos do Art. 220 – Da Comunicação Social. Até aí nada demais. O que chama a atenção é uma estrela vermelha apunhalando a página. Coisa de ninja assassino lançando sua mais letal arma. Manchete: “A liberdade sob ataque”. Subtítulo: “A revelação de evidências irrefutáveis de corrupção no Palácio do Planalto renova no presidente Lula e no seu partido o ódio à imprensa livre”.

Para uma revista que tanto preza a Constituição do Brasil resta lamentar a falta que fez nessa edição uma boa reportagem sobre a regulamentação dos cinco artigos constitucionais dedicados à Comunicação Social. Especialmente aquele de número 225. Sim, este mesmo!, o que inicia com estas palavras: “Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.”

A grande imprensa brasileira parece usar dicionário bem diferente daquele usado por cerca de 200 milhões de brasileiros. Palavras como isenção, apartidarismo, independência editorial, adesão à pluralidade de pensamento, parecem completamente divorciadas de seu significado real, aquele mais comezinho, aquele que figura logo no início de cada verbete. E quanto mais parte considerável da imprensa mais vistosa – essa que tem maior circulação, maior carteira de assinantes, maior audiência etc. - afirma ser uma coisa mais demonstra ser exatamente o seu bem acabado oposto. O fenômeno parece com crise de identidade tardia, constante e renitente. Quer ser algo que não é. E a todo custo. Custo que inclui credibilidade, responsabilidade.

E não é por outro motivo que ao longo do mês de setembro de 2010 pululavam no microblog twitter mensagens como esta de 16/9/2010 dizendo o seguinte: “Faltam 18 dias, 2 capas de Veja e 2 manchetes de domingo da Folha para as eleições em que o povo brasileiro mostrará sua força política.”

Pelo jeito como a realidade deu conta de dar seu recado os efeitos das capas foram absolutamente inócuas junto à população. Se eram destinadas a produzir um efeito X, terminaram por produzir um efeito Y. Tanto em 2002 quanto em 2006 e há poucas semanas, também em 2010. Talvez tenha chegado o momento de voltar a dedicar suas capas à busca do elo perdido, aquele que deve nos ligar indissoluvelmente ao macaco ou então direcionar suas energias para encontrar algo mais nobre como o Cálice Sagrado, o Santo Graal. Outra opção poderia ser investir na localização de lugares como Avalon nas cercanias das Ilhas Britânicas. Mas como Veja tem mostrado pendores para eternizar seres marinhos talvez tenha mais proveito se buscar vestígios da Atlântida. Uma pista: boas indicações foram deixadas por Platão (428 a.C. – 348 a.C.) em suas célebres obras "Timeu ou a Natureza" e "Crítias ou a Atlântida".