quinta-feira, 31 de maio de 2012

Veja, Gilmar e o Editor Imaginário


Por Maurício Caleiro, no blogCinema & Outras Artes:

Após o período atípico, sem manchetes denunciativas nas capas, que se seguiu à instalação da CPI do Cachoeira, a revista Veja tenta sair das cordas publicando, na edição desta semana, uma denúncia em que um seu velho conhecido – o ministro Gilmar Mendes, do STF – afirma que o ex-presidente Lula o teria pressionado para que tentasse adiar a data do “julgamento do Mensalão” para depois das eleições municipais deste ano. Em troca, segundo a revista, o ex-presidente ofereceria ao magistrado“blindagem” contra eventuais acusações na CPI do Cachoeira.


Logo após a revista chegar às bancas, jornalistas e blogueiros passaram a apontar as múltiplas inconsistências da matéria - trabalho facilitado, inicialmente, pela negação peremptória da veracidade da denúncia feita pela única testemunha presencial do encontro entre Mendes e Lula (o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim) e complementado, na noite de ontem, pelo depoimento do próprio Gilmar Mendes ao Jornal Nacional, em que afirma que “ele [Lula] não pediu nada diretamente a mim”.

Factoide de curta duração
Não é meu interesse, aqui, repisar os múltiplos fatos e constatações que desmontaram o factoide de Veja em questão de horas, nem especular o que teria levado Mendes a desmentir a revista já na segunda-feira. As explicações estão aí, aos borbotões, na internet e no pouco que resta de imprensa séria no Brasil.

Tampouco me interessa, no curto espaço deste artigo, analisar a incompatibilidade da conduta de Gilmar Mendes com a posição que ocupa: como reconheceria qualquer pessoa ciente das leis, ainda que a acusação fosse verdadeira, seria obrigação de um ministro do STF levá-la à Justiça, e não, após mais de um mês de silêncio, fazer futricas na menos confiável das publicações brasileiras.

Lúdica imprensa
O que gostaria de propor aos leitores e leitoras neste texto é um exercício mental, um jogo, que pede uma certa dose de abstração, tendo como meta produzir uma reflexão sobre o jornalismo brasileiro hoje: façamos como Carlinhos Cachoeira e brinquemos de editor.

A proposta do jogo é que nos coloquemos no lugar do editor de uma hipotética revista jornalística séria. Tentemos evitar, portanto, assumir uma posição ideológica pré-determinada e tenhamos como meta principal simular adotar os mesmos critérios práticos que o jornalismo historicamente chama para si – checagem de informações, ouvir os dois lados, equilíbrio, responsabilidade social, defesa do interesse público.

Comecemos fazendo um esforço para esquecer, por um momento, a biografia e as peculiaridades dos personagens envolvidos na última “denúncia”da Veja, publicação que – com o perdão pelo duplo sentido - também deve ser abstraída de nosso pensamento.Conservemos a mesma denúncia, feita porém a uma revista jornalística séria de um país democrático: um ministro da Suprema Corte acusa um ex-presidente (por duas vezes eleito) de tê-lo pressionado para que convencesse colegas de toga a optarem pelo adiamento de determinado julgamento, envolvendo acusação de corrupção contra o partido político do ex-mandatário (mas não diretamente contra este). Em troca, ele teria prometido “aliviar a barra” do denunciante se e quando pipocassem acusações contra este numa CPI em andamento.

Jornalismo dentro da lei
Antes de examinarmos o caso é forçoso constatar que tudo o que se refere à denúncia teria de ser checado e rechecado pelos editores, antes da eventual publicação da matéria, posto que, além de serem estes os procedimentos recomendados pelo bom jornalismo, o que está em jogo envolve altas personalidades da República e poderia provocar sérias consequências tanto no campo jurídico quanto político-eleitoral. Desnecessário observar que a constatação de eventual leviandade por parte da publicação fatalmente acarretaria danos, não só à sua imagem pública, mas no âmbito judicial, já que a existência e o cumprimento de leis que regulamentam o exercício do jornalismo são característica comum aos países de democracia consolidada.

Um primeiro fator a se considerar pelo editor da revista seria o da credibilidade da testemunha. Ser ministro do Supremo ajuda, mas, como se sabe, quanto mais avançada a democracia, menos vale o “critério”da carteirada, do “você sabe com quem está falando?”. Uma publicação jornalística séria levaria em conta se o denunciante tem uma história moral condizente com a que se espera de alguém que tem assento na mais alta corte do país ou seu passado é entremeado de episódios obscuros, suspeitas, ligações com personalidades políticas controversas, perda da compostura em púbico, grampos sem áudio. A opinião pública e seus pares de toga o respeitam, ou ele já chegou a ser publicamente acusado, por um deles, de estar “na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro”?

Testemunha-chave
Uma segunda medida, porém elementar, seria se inteirar se haveria testemunhas que pudessem corroborar ou desmentir a acusação feita pelo ministro e, em havendo, entrevistá-la(s). Afinal, uma terceira pessoa que reafirmasse o ocorrido, a depender de sua credibilidade e do grau de coincidência com a denúncia originalmente formulada, forneceria uma evidência mais consistente para a publicação da denúncia, reduzindo o ônus da revista – ao passo que, se esse terceiro elemento fosse reticente ou desmentisse a acusação, acenderia um alerta e faria aumentar a desconfiança na redação quanto à veracidade do relato do magistrado.

Ora, nenhuma publicação séria do mundo publicaria uma denúncia contra um ex-presidente ciente de que esta seria desmentida pela única testemunha presencial capaz de corroborá-la, como Jobim o fizera em relação à denúncia de Veja/Mendes. Nosso jogo deveria, portanto, terminar aqui, já que um editor responsável e jornalistas honrados jamais concordariam em assinar uma matéria tão leviana, alicerçada em bases tão frágeis. Mas, entre nós, brasileiros, o jornalismo responsável anda tão escasso que proponho brincarmos de imprensa séria um pouquinho mais.

Coerência lógica
Consideremos então que, para nosso valoroso redator, tão essencial quanto as medidas acima elencadas seria um exame da plausibilidade da denúncia. Várias questões então se colocariam para ele. A primeira delas diz respeito à probabilidade lógica: o STF tem 11 membros. Do time atual, o ex-presidente indicou seis nomes, e sua sucessora, do mesmo partido, dois. Já o ministro acusador foi indicado por um ex-presidente que antecedeu a ambos mandatários e lhes faz oposição, indicação que, segundo alguns, se deu como forma de recompensar a extrema leniência com que o nomeado desempenhou o papel de Procurador-geral da República em seu governo.

Ora, por que o ex-presidente agora acusado, ao invés de pressionar os oito ministros nomeados por ele e sua sucessora, preferiria ir ter com um magistrado nomeado pelo seu principal opositor? Mais: por que o faria, se fora anteriormente publicamente agredido pelo mesmo ministro, que declarou que iria “chamá-lo às falas” por conta de uma denúncia de grampo no STF - publicada, aliás, na mesma revista ora sob suspeita, e jamais comprovada?

Fora de timing
Certamente nosso brioso editor, já picado pela vespa da perplexidade (ele é um editor imaginário, mas é humano), quedaria a pensar por que cargas d'água um ex-presidente desejoso de manipular a data do tal julgamento iria pressionar um ministro sem posição de comando no tribunal ou função especial alguma no “julgamento do Mensalão”,ao invés de acossar os presidentes do STF e do TSE ou o relator do caso? “Isso não faz sentido algum”, refletiria o nobre homem.

Por fim, pensaria nosso já estupefato editor, por que o ex-presidente, que poderia ter feito como seu antecessor e mandado engavetar a granel denúncias que o desagradassem, se tinha interesse em manipular o “julgamento do Mensalão”, não o fez antes, no poder?

Essa questão certamente estaria na pauta da entrevista com o ex-presidente, a qual, obedecendo parâmetros éticos mínimos, deveria não apenas dar a voz ao outro lado para que se posicionasse ante as acusações que lhe são feitas, mas publicá-las com destaque textual e fotográfico proporcional ao dado às acusações e ao acusador. Isso, conclui o editor, se não existissem tantos furos a impedir a realização de uma matéria minimamente séria, que pode destruir nossa reputação.

Uma questão de ética
Xingando mentalmente o pauteiro que propôs uma matéria tão sem sustentação, nosso valoroso editor desiste de publicar a matéria e comunica a decisão aos demais profissionais envolvidos – não sem uma sutil reprimenda entrelinhas.

Desliga o computador, fechas as gavetas e, com a consciência leve assegurando a dignidade com que os jornalistas de Veja não podem nem sonhar, sai assobiando pelas ruas com as mãos nos bolsos, vendo a tarde cair. 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Folha tucana ataca a blogosfera


Por Altamiro Borgesem seu blog

Numa matéria desonesta e distorcida, assinada pelos jornalistas Bernardo Mello e Catia Seabra, a Folha de hoje voltou a atacar a blogosfera - o que só confirma que a velha mídia está muito incomodada com a força crescente das redes sociais. Ao tratar de uma reunião ocorrida ontem à noite entre blogueiros paulistas e o candidato à prefeitura de São Paulo Fernando Haddad (PT), o jornal tucano destilou todo o seu veneno.

Já no título, "Petista pede ajuda a blogueiros que apoiam governo", uma mentira deslavada. A reunião foi articulada pelos ativistas digitais e não pelo PT ou por Haddad. Da mesma forma, os blogueiros - que residem em São Paulo e conhecem o desastre causado pela dupla Serra-Kassab - já estão agendando conversas com candidatos à prefeitura paulistana de outros partidos.

"Reporcagem" desonesta e distorcida

Na reunião, o pré-candidato petista apresentou as suas propostas programáticas para a cidade, apontou os principais problemas das últimas gestões demotucanas - e agora do PSD de Kassab - e falou dos desafios da sua campanha eleitoral. Mesmo sem ter acesso ao encontro, a Folha intuiu - bem ao estilo Gilmar Mentes - que Haddad "pediu ajuda a sua campanha na internet". Nada foi falado sobre o tema, nem o petista seria ingênuo para achar que iria enquadrar os blogueiros. Ou seja: a Folha mentiu novamente!

De forma desonesta, a Folha tentou vender a imagem de que os presentes da reunião pertencem ao "núcleo de militantes virtuais para atuar na internet" e que "o grupo será acionado para fazer propaganda de Haddad e atacar rivais nas redes sociais". Do encontro participaram vários blogueiros que não têm qualquer filiação partidária e, inclusive, militantes de outros partidos. A Folha sabe disso, mas procurou novamente manipular a informação.

Vínculos sombrios com José Serra

Na prática, a "reporcagem" da Folha tentou prestar mais um servicinho sujo ao tucano José Serra - com que sempre teve o rabo preso. É bastante conhecida a influência do eterno candidato do PSDB na cúpula da empresa da famiglia Frias, inclusive na confecção de pautas e no pedido de demissões de repórteres menos amestrados. Será que a Folha topa divulgar, com mais transparência, seus constantes encontros e contatos com Serra?

A matéria também visou estimular a cizânia entre os blogueiros. Mas esta tentativa é infantil. Os ativistas da chamada blogosfera progressista sempre zelaram pela pluralidade no interior deste jovem movimento. Eles sabem que existem blogueiros de diferentes concepções e origens, de diversos partidos e, principalmente, de ativistas digitais sem filiação partidária. O esforço sempre foi o de construir a unidade na diversidade, respeitando o caráter horizontal e democrático deste movimento. 

A Folha, com a sua cultura autoritária e arrogante, não entende a nova realidade da rede. Azar dela. Ela continuará a perder credibilidade e leitores! O seu modelo de negócios continuará afundando!

Jornal O Globo promove campanha contra Lula no Twitter


Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania

Ontem ocorreu um fato espantoso que explica bem por que a grande imprensa brasileira é chamada de PIG – sigla que significa “Partido da Imprensa Golpista”, uma sigla cunhada pelo deputado federal pelo PT de Pernambuco Fernando Ferro que se popularizou sobremaneira na internet.

A dita “mídia” é chamada de partido por boas razões. Uma delas é a de que tem militância exatamente como um partido. Centenas de pessoas defendem ferozmente as ações de Globo, Folha de São Paulo, Veja e Estado de São Paulo contra o Partido dos Trabalhadores e o governo federal.

Essas pessoas se escondem sob o anonimato e chegam ao ponto de fazer ameaças de assassinato ou de tortura contra quem se mostre simpatizante do PT e do governo, sobretudo se for blogueiro. Quando menos, promovem campanhas anônimas de difamação, atacam família etc.

Mas, ontem, a atuação da mídia como partido político chegou ao impensável. O jornal O Globo, em sua campanha incansável, interminável e eterna contra Lula, lançou mão de um recurso que só militâncias de partidos usam.

Tuitaço é o envio de múltiplas mensagens pela rede social Twitter para fazer “subir” frases sobre algum assunto ao que se convencionou chamar de Trending Topics, o ranking dos dez assuntos mais comentados no Brasil ou no mundo.

A revista Veja tem sido alvo de tuitaços de militantes petistas e de outros partidos de esquerda. E não é que O Globo, como prova de que é um partido político disfarçado de jornal, decidiu instigar tuiteiros militantes do PIG a promoverem uma campanha contra o ex-presidente Lula?

A imagem acima mostra que o perfil de O Globo no Twitter foi responsável pela “subida” da frase “Lula mente” ao topo dos Trending Topics.

O Globo tem mais de 500 mil “seguidores” no Twitter. Como as campanhas de militantes de oposição ao governo Lula – ou militantes da mídia – para levar frases aos Trending Topics vinham fracassando, o perfil do jornal naquela rede social resolveu dar uma ajudinha veiculando hashtag contra Lula para suas centenas de milhares de seguidores

Assim, O Globo conseguiu colocar no primeiro lugar dos Trending Topics aquela frase. Mas foi só por alguns minutos.

O que o Globo não sabia é que seguir o seu perfil no Twitter não significa apoiar o que faz. Este blogueiro mesmo “segue” o perfil @JornalOGlobo e nem por isso compartilha suas posições políticas. Muito pelo contrário.

Quando descobri que o Globo é que estava por trás da “subida” de #LulaMente ao topo dos Trending Topics, entrei no tuitaço de reação. Rapidamente, em questão de minutos, os simpatizantes de Lula e do PT desbancaram a hashtag #LulaMente, substituindo-a por #BrasilComLula, que permaneceu por mais de uma hora nos Trending Topics.

Então, leitor, se faltava algo para a grande imprensa brasileira comprovar que se converteu em partido político, não falta mais. O segundo (?) maior jornal do país lançou mão do recurso mais banal da política contemporânea para um grupo político atacar outro. O que será que o TSE acha disso?

Reunião do Estado Maior da Mídia


terça-feira, 29 de maio de 2012

Mensalão só foi denunciado ao STF porque Lula não interferiu


Por Eduardo Magalhães, no Blog da Cidadania 

Se você anda espalhando por aí que acredita nessa denúncia de Gilmar Mendes contra Lula que a revista Veja publicou, ou é estúpido ou não tem um pingo de caráter. É possível a qualquer pessoa, mesmo não sendo muito inteligente, concluir, sem a menor sombra de dúvida, que tal denúncia não faz o menor sentido.

Lula foi acusado de tentar interferir no andamento do inquérito do mensalão propondo um escambo ao magistrado: ele postergaria o julgamento até depois das eleições em troca de indulgência da CPI do Cachoeira em relação a supostas evidências de seu envolvimento com Demóstenes Torres e Carlos Cachoeira.

Gilmar foi Advogado-Geral da União do Governo Fernando Henrique Cardoso. No último ano de seu mandato, FHC o indicou para ministro do Supremo Tribunal Federal. Naquele momento, o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Dalmo de Abreu Dallari teve um artigo publicado na Folha de São Paulo em que declarou o seguinte sobre tal indicação:

Se essa indicação (de Gilmar Mendes) vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. (…) o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.

Gilmar tentou processar criminalmente o jurista Dallari por esse artigo, mas a Justiça recusou a instauração da ação penal que o agora ministro do STF pretendia mover. Dizia a sentença: “A crítica, como expressão de opinião, é a servidão que há de suportar (…) quem se encontrar catalogado no rol das figuras importantes

A previsão de Dallari se faria sentir cerca de seis anos após a nomeação de Gilmar. Em 2008, o magistrado concedeu habeas-corpus ao banqueiro Daniel Dantas. No mesmo dia, 42 procuradores da República, 134 juízes federais e a Associação de Delegados da Polícia Federal (ADPF) divulgaram documentos manifestando indignação com a soltura do banqueiro.

Alguns Procuradores Regionais da República estudaram até fazer um abaixo-assinado solicitando o impeachment de Gilmar. O senador Demóstenes Torres, então, já exibia suas relações com ele: classificou esse movimento dos Procuradores Regionais da República como “ridículo”.

Esses são apenas alguns fatos que deveriam ser considerados antes de pessoas subdotadas intelectualmente ou moralmente comprarem a acusação de Gilmar a Lula sem o menor questionamento, mas não são o cerne da questão. Servem apenas para lembrar quem é o sujeito que acusa o presidente mais querido da história do Brasil.

O cerne da questão é que os oito anos de mandato de Lula provam que ele jamais interferiu na Justiça com nenhum fim, muito menos para impedir o progresso do inquérito do mensalão. Venho dizendo isso desde 2010, quando publiquei um post contendo informação que desmonta completamente a tese de Gilmar sobre o ex-presidente.

Lula nomeou três procuradores-gerais da República enquanto que FHC manteve o mesmo, Geraldo Brindeiro, de 1995 a 2002, contrariando o Ministério Público Federal por oito anos seguidos.

Claudio Fonteles, que hoje integra a Comissão da Verdade, foi indicado por Lula em 2003 e ficou no cargo até 2005, quando o nome indicado pelo MP foi acatado por Lula novamente. Antonio Fernando de Souza denunciou o mensalão e foi reconduzido por Lula ao cargo. Ficou até 2009, quando Roberto Gurgel, o novo escolhido pelo MP, foi nomeado. O mesmo Gurgel que recentemente difamou o partido do ex-presidente na tevê.

Lula tinha o poder. Se não interferiu nem no Judiciário nem no Ministério Público naquela época, se não há uma só denúncia de outro ministro do STF de que tenha sofrido qualquer pressão do ex-presidente, por que ele escolheria começar a fazê-lo justo com Gilmar Mendes, que tantas vezes se mostrou um adversário político?

A história não se sustentaria só por isso, mas há mais. Nelson Jobim, ex-ministro do Supremo e ministro da Defesa de Lula e Dilma, saiu do governo dela descontente porque foi demitido por declarar publicamente que votou em seu adversário José Serra em 2010. Esse mesmo Jobim desmentiu a acusação de Gilmar a Lula.

É desolador o volume de desonestidade ou burrice que vêm sendo espargidas com ímpeto tão infatigável. Tudo isso produz uma reflexão: será possível que tanta canalhice venha a vingar? Até quando o Brasil será esbofeteado dessa forma? Em que tipo de país mentiras tão grosseiras ganham tal dimensão?

A “vacina” do doutor Gilmar


Por Eduardo Magalhães, no blog da Cidadania

Fiquei sabendo da última da dupla Veja/Gilmar Mendes na tarde de sábado, durante o 3º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, que ocorreu no fim de semana em Salvador. O assunto foi muito discutido pelos blogueiros. E caso alguém esteja chegando agora de Marte e não saiba do que se trata, aí vai um breve relato.
Veja publicou mais uma daquelas “denúncias” baseadas em grampos sem áudio e declarações sem provas. Parece até surpreendente pela ousadia, mas não é. Para falar a verdade, é tudo até bem banal.

Segundo a revista, Gilmar Mendes teria encontrado Lula “casualmente” no escritório de Nelson Jobim e, então, o ex-presidente teria tentado chantagear o ministro do STF para que “aliviasse” para os envolvidos no inquérito do mensalão, que será julgado proximamente. Teria ameaçado o magistrado com os indícios de envolvimento seu com Demóstenes Torres e Carlinhos Cachoeira.

O colunista de O Globo Jorge Moreno, no mesmo sábado da chegada de Veja às bancas, fez contato com Jobim, que negou tudo. E, claro, esse colunista que vive pedindo desculpas públicas aos chefes por matérias que os desagradam conclui o relato do desmentido de Jobim bem ao estilo de O Globo, insinuando que “sentiu”, pela voz do entrevistado, que ele mentiu para encobrir Lula.

Em conversas com outros blogueiros em Salvador, especulamos muito sobre o que pode ter levado  Veja a publicar matéria tão fraca, apesar do suposto endosso de Mendes à acusação da revista. Particularmente, fiquei com a pulga atrás da orelha. Seria Veja tão idiota? Estaria tão “desesperada”, como muitos acham que está? Desespero algum. Veja faz essas coisas como se estivesse escovando os dentes.
Primeiro, não nos esqueçamos de uma coisa: a história do grampo sem áudio, protagonizada por Mendes e Demóstenes Torres, derrubou Paulo Lacerda, um dos policiais mais respeitados do país. Ou seja: uma história sem pé nem cabeça, que jamais foi provada, produziu uma das maiores injustiças da era Lula e uma longa investigação (inútil, porque não encontrou nada) da Polícia Federal.

Diante de fatos assim, percebemos que uma empresa de comunicação conseguiu manipular a República sem maior esforço. E por que? Simplesmente porque tinha uma autoridade do porte de um ministro do Supremo a respaldá-la. Assim, a investigação mostrou que jamais existiu grampo algum e tudo ficou por isso mesmo.
Ou seja: não chega a ser surpreendente o que acaba de acontecer.

Diante do desabamento iminente da história de Mendes/Veja, decorrente do desmentido de Jobim, as forças que a produziram saíram logo com um boato que estão fazendo circular na internet, de que o ministro do STF teria gravado a suposta tentativa de Lula de chantageá-lo.

Se existisse isso, teríamos que concluir que Lula enlouqueceu com o tratamento contra o câncer. Com tantos ministros do STF que nomeou, por que iria se preocupar em cometer um crime chantageando um adversário? Estamos falando de Lula, do homem que nomeou procuradores-gerais da República que atacaram seu grupo político sem dó nem piedade.

Então vamos lá: o que direi agora não é uma opinião, mas um fato que logo irá se comprovar. As gravações da Polícia Federal que geraram a CPI do Cachoeira envolvem Mendes até o pescoço. E não só a ele. Envolvem Veja, envolvem Globo (como mostra reportagem de Leandro Fortes na Carta Capital deste fim de semana) e outros grandes veículos. E junho será o mês dessas revelações.

Para que se tenha uma idéia, há dezenas de gigabites de gravações, vídeos e áudios da PF que ainda não foram transcritos, que estão em estado bruto, e que agora chegam à CPI. Fontes fidedignas garantem que o que existe ali é dinamite pura. Tanto que a Globo, segundo a Carta Capital, teria procurado Michel Temer para mandar um recado a Dilma: a mídia não pode ser investigada. Senão…

Senão o quê? O que a mídia poderia fazer além do que fez em 2005 e 2006, durante o escândalo do mensalão? Forjaria uma gravação que, após periciada e considerada falsa pelos peritos, a mídia diria não poder endossar ou negar como fez com a ficha policial falsa de Dilma que a Folha de São Paulo publicou na primeira página? Faria, sim.

O que vem agora, pois, é que é apenas opinião do blogueiro: a iniciativa da mídia e de Gilmar Mendes foi tentativa de criar uma vacina contra o que virá à tona, para que possam dizer que tudo decorre de “vingança” de Lula pela denúncia do ministro do STF e da revista contra si.

Veja a manipulação, leitor: o site Consultor Jurídico pediu ao ministro Celso de Melo, do STF, que analisasse a hipótese de Lula ter realmente feito o que Veja e Mendes dizem que fez. O que se esperaria que ele dissesse, que não haveria nada demais? Claro que não. Diria que, sendo verdade, seria um crime. E o que faz a mídia? Divulga a entrevista como se Melo estivesse condenando Lula, apesar de só estar falando sobre mera hipótese.

Manipulação pura e simples dos fatos pela mídia não é novidade para ninguém. E essa de agora é só mais uma, que servirá como estratégia diversionista, ou seja, para tirar o foco da CPI e intimidar seus membros.

Todavia, podem escrever aí: essa jogada só tornará inevitável a convocação de Policarpo Júnior ou até de Roberto Civita pela CPI. E mais: irá quebrar resistências da base governista, notadamente no PMDB, que, agora, foi diretamente atacado com a tentativa de colocarem Jobim e Lula no mesmo balaio.

A matéria da Veja enterrou de vez uma possibilidade que jamais existiu, de ser produzido um arreglo entre governo e oposição para a CPI terminar em pizza. E essa matéria é a prova definitiva de que a mídia e Mendes concluíram que o PT e aliados estavam dispostos a levar o processo até o fim. Por isso fizeram ataque desse porte.

Juristas Aprovam Alteração na Lei que Descriminalização o Uso e Porte Individual de Drogas



Deu até no Jornal Nacional: a proibição das drogas está ruindo no Brasil! Ainda não é a sonhada legalização, mas estamos perto de conquistar a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. E não estou falando o processo que tramita no Supremo Tribunal Federal.

 A proposta de descriminalização foi aprovada pela comissão de juristas que está elaborando a reforma do código penal brasileiro, que deve ser concluída em junho. Mas ela só vai valer se for aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado. O texto classifica como porte para uso pessoal quando a quantidade apreendida for suficiente para o consumo médio individual durante cinco dias. Essa definição de quantidade de acordo com cada droga deve ser estabelecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

A proposta determina que o uso drogas continua sendo criminalizado quando ocorrer na presença de crianças ou adolescentes ou nas proximidades de escolas e outros locais com concentração de menores. Nestes casos a pena permanece a mesma do artigo 28 da lei 11343/06 (multa, prestação de serviços comunitários ou comparecimento a programa ou curso educativo). 

“Nós ainda tratamos o usuário como criminoso, com todo o estigma que essa palavra carrega e isso faz com que se enfraqueça inclusive a atuação do estado na área da saúde pública. O grande traficante tem que ser punido severamente, sem dúvida, mas não é ele que a nossa polícia está alcançando nos dias de hoje”, afirma a integrante da comissão e defensora pública, Juliana Belloque. 

Apesar da problemática para a definição de uma quantidade para consumo durante cinco dias o projeto parece bem encaminhado. Mas é justamente nesta questão que precisamos estar atentos e prontos para defender uma quantidade que proteja os usuários pesados. No caso dos cultivadores a delimitação é ainda mais complexa, já que o rendimento de cada pé de cannabis é muito flutuante.

 E não podemos esquecer que ele precisa ser aprovado no Congresso e no Senado, onde as forças conservadoras são bem articuladas na base governista e na oposição e, infelizmente, o nosso lado não conta com a mesma força política. 
De nada vai adiantar a mudança na lei se a cultura repressiva permanecer forte e dominante. E nesse ponto o papel de mudar é todo nosso!

A estranha tabelinha Gilmar-Veja


Destacamento 40. Elogio da utopia


Por Alexandre Mourão, no sítio do jornal O POVO

"A vivência com os camponeses que viveram na pele a repressão da Ditadura nos impactou"

Fernando Birri, cineasta argentino, define a utopia como horizonte. Aproximando-nos dois passos, ele se afasta dois; dez passos, ele se vai dez. Se perguntamos pra que ela serve se jamais a alcançamos, a resposta: para não deixarmos de caminhar. 

O debate das utopias para minha geração (tenho 27 anos) é difícil: geralmente meus colegas almejam passar em concurso público, comprar carros, ter boa morada. Mudar o mundo? Dá trabalho e está fora de moda. Mas as rodas vivas da história giram: vemos revoluções árabes, ocupações e protestos globais mundo afora.

Depois de presenciar, numa sensação de angústia e alívio, a chegada dos restos mortais do cearense Bergson Gurjão, um dos jovens sonhadores, assassinados pela Ditadura Militar, formei com colegas um coletivo artístico cuja utopia é encontrar mortos e desaparecidos políticos da última ditadura brasileira. De 2010 pra cá temos realizado no Brasil o rebatismo de locais que referenciam ditadores, colagem de cartazes dos rostos de desaparecidos, pinturas murais e intervenções urbanas radiofônicas.

Partimos no coincidente 12 de abril – data de ‘comemoração’ dos 40 anos da Guerrilha da Araguaia - para Marabá (PA), cenário de uma guerrilha exterminada pelas forças armadas brasileiras, o que faz nosso país amargar a condenação internacional por ocultação de cadáveres, desaparecimento forçado e ocultação de arquivos.

Durante 16 dias mergulhamos no cotidiano da cidade, conversando com moradores e militantes de movimentos sociais através da nossa rádio livre: a Rádio Zuada, 103,5 FM. A vivência com os camponeses que viveram na pele a repressão da Ditadura nos impactou. Conversamos com toda uma família torturada: relatos vivos nos dizem de vozes silenciadas, trabalhos forçados, estupros, assassinatos e desaparecimentos de corpos. Na despedida, a matriarca asseverou: vocês se parecem com eles, com os guerrilheiros.

Outro chamado nos apelou: o caminho das matas. Em viagem de hora e meia alcançamos um local que serviu de morada dos guerrilheiros. E lá, 40 anos depois, choramos por eles. Depois de anos de esquecimento, uma geração mais velha nos rebatizou guerrilheiros. Recomeçou nossa história que só termina quando avistarmos o horizonte utópico daquela mata, só termina quando encontrarmos todos os caídos pelo terrorismo de Estado de ontem e de hoje. Somos eles. Somos guerrilheiros desaparecidos. Somos os Aparecidos Políticos.

Alexandre Mourão
aparecidospoliticos@gmail.com
Mestrando em Educação e membro do Coletivo Aparecidos Políticos 

Encontro entre Gilmar Mendes e Lula aumenta chances de Veja ser convocada à CPMI



Ao publicar matéria neste fim de semana sobre um encontro entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) GilmarMendes, ocorrido há um mês, nesta capital, no escritório do ex-ministro da Defesa no governo Lula e ex-integrante do STF Nelson Jobim, na qual Mendes acusa Lula de pressioná-lo a adiar o julgamento do processo conhecido como ‘mensalão’, em troca de não revelar supostas provas de envolvimento entre o ministro da mais alta Corte de Justiça do país e o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), personagem central da Comissão Parlamentar Mista de Investigação (CPMI) por suas ligações com o bicheiro Carlos Augusto Ramos, oCarlinhos Cachoeira, a revista Veja está mais perto de uma convocação para falar aos parlamentares.

Após a entrevista de Mendes, cresce o número de contradições sobre os fatos. Traduzidos ao pé da letra, os acontecimentos significariam uma tentativa de chantagem por parte de um ex-presidente da República contra o integrante do STF ou, sob outro ângulo, trata-se de uma notícia fabricada para desviar o foco sobre o escândalo que abala os partidos da direita, como DEM e PSDB, por suas ligações com o esquema criminoso do bicheiroCachoeira, e desacreditar a tese do presidente Lula quanto à inexistência do esquema conhecido como ‘mensalão’, uma espécie de mesada do governo aos parlamentares da base aliada para que votassem com o governo. Esta última possibilidade ganhou corpo junto a parlamentares da CPMI, que buscarão convocar não apenas os representantes legais da revista, quanto seus editores, para uma série de explicações.

A maior suspeita que, no momento, recai sobre Veja e Gilmar Mendes, é a de conluio para atentar contra os trabalhos da CPMI; além de ofuscar as investigações sobre a que distância chegam os tentáculos do crime organizado nas três esferas do poder democrático. O número de imprecisões na matéria colabora para que o pedido de convocação seja aprovado nas próximas reuniões da comissão. Ao contrário do que afirma Gilmar Mendes à Veja, fonte ouvida pelo Correio do Brasil afirma que não partiu do ex-presidente Lula o convite para o encontro, fato posteriormente confirmado por Jobim que negou, ainda, a existência de qualquer diálogo entre Lula e o ministro do STF sobre o ‘mensalão’.

Para o deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), um dos parlamentares que mais atua pela investigação dos fatos listados na CPMI do Cachoeira, por sua experiência como delegado federal, o momento é perfeito para a convocação de Roberto Civita, dona da Editora Abril e proprietário do título de Veja, além de editores e demais jornalistas envolvidos com o caso Cachoeira. Está claro, segundo afirmou o parlamentar, em entrevista exclusiva ao CdB, que a revista é parte integrante de um esquema que visa blindar determinadas autoridades envolvidas na rede criminosa do bicheiro e, na outra ponta, criar uma insegurança jurídica para o julgamento do ‘mensalão’, no STF.

– Creio que a convocação dos representantes da revista, após essa notícia, é mais do que necessária. Não é a primeira vez que percebemos o intuito da publicação, de tentar influir nos trabalhos da CPMI e, ao mesmo tempo, criar uma insegurança jurídica junto ao STF, para o julgamento do processo conhecido como ‘mensalão’. Cada vez mais esse veículo de imprensa tenta desestabilizar os trabalhos dos parlamentares e, agora, ao envolver um integrante da Suprema Corte em um fato obscuro como foi esse encontro no escritório de um ex-ministro, ao qual o ex-presidente Lula, ao que tudo indica, esteve presente, é preciso pedir esclarecimentos para o público, para que as pessoas tenham acesso à realidade dos fatos – afirmou o deputado, delegado Protógenes.

A insegurança jurídica causada pela atuação da revista no tocante ao processo do ‘mensalão’, segundo o parlamentar, é evidente.

– Essa notícia, que envolve um integrante do STF, tem o claro objetivo de fomentar o conflito entre os poderes e atormentar justamente aqueles que irão julgar o processo. É preciso um questionamento sobre a linha ética dessa publicação – afirmou Protógenes.

‘Pego na mentira’

Para o desembargador Wálter Fanganiello Maierovitch, jurista e membro das academias Paulista de História e Paulista de Letras Jurídicas, em artigo publicado nesta segunda-feira em uma página, na internet, não é a primeira vez que o ministro do STF se vê envolvido em questões pouco ortodoxas para um integrante da Suprema Corte de Justiça do país.

“O ministro Gilmar Mendes já foi pego na mentira. Isto quando sustentou o ‘grampeamento’ de conversas telefônicas com o senador Demóstenes Torres, seu grande amigo. Para a Polícia Federal, por meio de perícias, não houve interceptações e gravações de conversas. Na perícia realizada, não atuaram os peritos Ricardo Molina e nem Badan Palhares. À época, Gilmar Mendes, que estava na Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), saiu atirando pela mídia. Disse que chamaria o presidente Lula às falas. Por suspeitar da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), Gilmar Mendes exigiu a saída imediata do seu diretor-geral, que era o íntegro delegado Paulo Lacerda, de relevantes serviços ao país, em especial quando dirigiu a Polícia Federal. A propósito, Lula, vergonhosamente, entregou a cabeça de Lacerda e o ofertou um asilo na embaixada do Brasil em Lisboa”, afirmou, no texto.

Maierovitch lembra que, para dar sustentação à afirmação de Gilmar Mendes, entraram em cena Demóstenes Torres – que confirmou o diálogo com Gilmar Mendes e o teor de uma gravação transcrita pela revista Veja –, e Nelson Jobim, que é aquele que confessou, em livro laudatório e promocional, haver colocado na Constituição da República artigos desconhecidos e não aprovados pelos seus pares (deputados) constituintes. Sobre isso, colocou, quando o escândalo veio a furo, a culpa em Ulisses Guimarães, que, por estar morto, não podia responder”. O desembargador chama atenção para o fato de que, no livro, Jobim não mencionou Ulisses Guimarães e o escândalo foi revelado porque, “pasmem!!!, algum ingênuo entendeu em ler o escrito por Jobim”.

“Segundo Jobim, então ministro da Defesa e para apoiar Gilmar Mendes, as Forças Armadas tinham emprestado um aparelho, cujas especificações mostrou aos jornalistas, para ‘grampeamentos telefônicos’ à Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). As Forças Armadas desmentiram o ministro Jobim ao revelar que não houve o empréstimo e que Jobim havia apresentado, quando ao equipamento que teria sido emprestado, catálogos de empresas vendedoras de equipamentos de segurança. Catálogos que eram distribuídos em lojas de shopping centers. Como se percebe, a dupla Mendes-Jobim seria qualificada numa Comissão Apuratória, pelos antecedentes mendazes com trânsito em julgado, como suspeita de não estar a falar a verdade”.

No artigo, o jurista constata que, “com efeito, Mendes, agora, sustenta ter encontrado Lula no escritório de advocacia de Nelson Jobim”.

“Como dizia Carl Gustav Jung, pai da psicanálise, coincidências não existem. Sobre isso, Jobim afirmou que o encontro no seu escritório de advocacia foi uma coincidência, pois restou visitado por Lula quando Gilmar Mendes estava por lá. Lula aparecer de surpresa no escritório de Jobim não dá para acreditar. E o estava a fazer um ministro do STF num escritório de advocacia?”, questiona.

Para Mendes, segundo Maierovitch, “o ex-presidente Lula o pressionou para adiar o julgamento do ‘mensalão’ e insinuou saber da sua presença, na cidade alemã de Berlim, em companhia de Demóstenes Torres. Não bastasse a insinuação, Lula teria assegurado que tal fato não seria apurado, pelo seu poder de mando, pela CPMI. Em outras palavras, não entraria na apuração a suspeita de encontro em Berlim sob patrocínio financeiro deCarlinhos Cachoeira“.

“O grampo sem áudio que vitimou Paulo Lacerda e a Abin envolveu Mendes, Jobim, Demóstenes e a revista Veja (a revista transcreveu a conversa interceptada entre Mendes-Demóstenes, mas não exibiu o vídeo). Como favorecido pelo escândalo aparecia o banqueiro Daniel Dantas, solto por liminares de Gilmar que contrariavam até súmula do STF. Agora, a história do encontro casual (para a revista Veja o encontro foi a pedido de Lula) e a chantagem envolve Jobim, Mendes, revista Veja e Lula. A quem aproveita essa história, ainda não está claro. Como pano de fundo, a revistaVeja coloca o ‘mensalão’. O certo é que Jobim, Mendes e Lula entiveram num mesmo escritório, no mês de abril passado”, concluiu.


Gilmar Mendes: foi por medo de avião…


Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador:

Suarento e gaguejante, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes apareceu na tela da Globo na noite de segunda-feira. Confirmou o encontro com Lula e reafirmou que “houve a conversa sobre o Mensalão”.

Ok. Mas em que termos? E o que isso teria a ver com a CPMI do Cachoeira/Veja? Gilmar respondeu no melhor estilo rocambole, o estilo de quem está todo enrolado: “Depreendi dessa conversa que ele [Lula] estava inferindo que eu tinha algo a dever nessa conversa da CPMI”.


“Depreendi”, “inferindo”. Hum…

De forma rocambolesca, Gilmar Mendes piscou. Pouco antes, Lula publicara nota em que manifesta “indignação” com o teor da reportagem…

PSDB/DEM/PPS e a velha mídia, numa estranha parceria com o PSOL, tentam transformar o encontro Lula/Mendes em notícia, para impedir que venham à tona fatos gravíssimos já de conhecimento de alguns integrantes da CPI Cachoeira/Veja.

Qualquer ser pensante pode concluir por conta própria: se Gilmar sentiu-se “chantageado” ou “pressionado” por um ex-presidente, por que levou um mês (a reunião entre ele e Lula teria ocorrido em 26 de abril) para revelar esse fato ao Brasil? E por que o fez pela “Veja”, em vez de informar seus pares no STF, como seria sua obrigação? 

A explicação pode estar aqui, nos grampos que o tuiteiro Stanley Burburinho fez circular pela rede. Nesses grampos, depreende-se que um tal “Gilmar” (e o próprio agente da PF conclui que o citado parece ser ”Gilmar Mendes”) teria viajado num jatinho emprestado pelo bicheiro Cachoeira. Na companhia (ou compania?) de Demóstenes, o mosqueteiro da ética.

Parafraseando outro ministro do STF, Celso de Melo: “se” a viagem de Gilmar Mendes no jatinho do bicheiro se confirmar, estaríamos diante de um caso que não teria outra consequência possível, se não a renúncia ou o impeachment. Repito: “se” a viagem se confirmar. É preciso apurar. Os indícios são gravíssimos.

A entrevista para “Veja”, seguida do suarento balbuciar no JN da Globo, parece indicar desespero. Uma espécie de defesa antecipada. Fontes na CPI informam que haveria mais material comprometedor contra certo ministro do STF, nas escutas a envolver Cachoeira. 

A entrevista à “Veja”, portanto, teria como explicação aquela velha canção: “foi por medo de avião… que eu peguei pela primeira vez na sua mão”. 

Mais que um aperto de mãos, Gilmar Mendes e Veja podem ter dado um abraço de afogados. A Cachoeira é funda e não se sabe quem conseguirá nadar até a margem…

sexta-feira, 25 de maio de 2012

‘Não dá pra esperar o socialismo para garantir que o negro tenha acesso à universidade’


Por Gabriel Brito, da redação do sítio Correio da Cidadania. Colaborou: Valéria Nader

No dia 26 de abril, o STF aprovou por votação unânime a validade das cotas raciais nas universidades públicas brasileiras, destinando 20% de suas vagas a estudantes afro-descendentes. Apesar de parecer um enorme avanço na correção das distorções sociais entre negros e brancos no país, é apenas uma medida, pois, como lembra Douglas Belchior, entrevistado pelo Correio da Cidadania, a decisão não institui, apenas legaliza as cotas.

De toda forma, Belchior, membro da Uneafro (União de Núcleos de Educação Popular para Negras(os) e Classe Trabalhadora), afirma que a decisão contribui para “inaugurar um novo patamar da luta anti-racista”, que agora precisa transformar as cotas em força de lei. “São Paulo é o estado mais rico, mais desigual e mais racista do país. USP, UNESP e Unicamp já declararam dias depois do julgamento do STF que não adotarão cotas, pois esse não é um critério satisfatório”, destaca, em meio a uma entrevista na qual criticou setores da direita e esquerda que por distintas razões, se opuseram à política de cotas.

Questionado sobre a crítica dos citados setores de esquerda, de que um grande enfoque do movimento negro sobre as cotas distrairia seus membros da luta maior, contra o sistema que explora, oprime e cristaliza preconceitos, Belchior nega taxativamente tal visão. Em sua argumentação, a necessidade de cotas, numa República que adota políticas teoricamente universalizantes há mais de 100 anos, apenas desnuda mais ainda a perversidade do sistema e o grau de enraizamento do racismo no Brasil.

Para ele, a esquerda precisa se desvencilhar de suas visões eurocêntricas de revolução e compreender um pouco mais as especificidades brasileiras, onde a escravidão foi um caso único de longevidade e até hoje as diferenças sociais entre negros e brancos são absolutamente indecentes. “Não dá pra esperar o socialismo para garantir que o negro tenha acesso à universidade. Se pegarmos os dados do próprio IBGE, conferimos que 72% da população mais pobre do país é negra. Temos a terceira maior comunidade carcerária do mundo e a maioria esmagadora dessa população é negra. A polícia mata três vezes mais preto do que branco no Brasil. Como os camaradas marxistas e de esquerda não vão defender cotas? Pelo amor de deus. A pobreza no Brasil tem cor, é caracterizada pela pele preta. Não tem jeito”.

Correio da Cidadania: Como analisa o resultado da votação realizada pelo STF na semana passada, aprovando por 10 votos a zero a manutenção e legalização das cotas raciais, que destinam 20% das vagas em instituições públicas de ensino superior para afro-descendentes?

Douglas Belchior: Para o movimento negro foi uma grande vitória, construída em vários anos de luta, na qual a direita brasileira se colocou na trincheira contrária ao avanço das políticas públicas de interesse da população negra. Sem dúvidas, o resultado coincidente tanto do placar quanto da justificativa de cada um dos 10 votos coloca a questão racial como elemento central responsável pelas desigualdades sociais no Brasil, uma reivindicação sempre feita pelo movimento negro, no sentido de que não é possível fazer leitura da sociedade, especialmente a partir das suas dificuldades e desigualdades, sem levar em conta a herança ainda muito presente da escravidão.

Portanto, isso ficou evidente para nós, não só no placar (10 x 0 é simbólico, ainda mais numa casa tão conservadora como o STF), mas também nas justificativas. Cria uma jurisprudência, muito importante, porque a partir de agora nenhuma universidade ou parlamento brasileiro poderá fingir que não existe tal precedente. E responde a todas as argumentações falaciosas que sustentam a negativa ao avanço da política de cotas e políticas de ações afirmativas. Nesse sentido, foi uma grande vitória para nós.

Correio da Cidadania: Que análise o movimento negro faz desse momento e da maneira como se travaram os debates sobre o assunto no país?

Douglas Belchior: Trata-se de uma vitória muito importante por revigorar a força do movimento para voltar às ruas em campanhas e ações contundentes no sentido de tornar concreto esse avanço. Inaugura-se um novo patamar da luta anti-racista, mas tal resultado não traz uma vitória concreta, real, não traz automaticamente os resultados dessa luta, uma vez que não obriga as universidades a instituírem as cotas. O que STF fala é que a política de cotas é legal, legítima, moral. Mas o que vai obrigar as universidades a adotarem tais políticas é o parlamento, através de leis. E está lá numa gaveta o projeto de lei, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que institui a política de cotas em todas as universidades públicas do país. Ou seja, o argumento que a própria CCJ e os parlamentares tinham para manter o projeto engavetado foi derrubado pela principal corte de justiça do país.

Assim, o movimento deve deflagrar uma campanha imediata pela retomada desse projeto e sua aprovação total, no Congresso e na presidência. O outro viés dessa campanha é dirigido às universidades, que têm autonomia para implementar tal política, a partir de suas reitorias e conselhos. Algumas já implantaram com grande sucesso, o que inclusive embasou a apreciação do STF. Mas outras não, como as do estado de São Paulo, uma grande ilha de conservadorismo e racismo no país. É o estado mais rico, mais desigual e mais racista do país. Tanto USP como UNESP e Unicamp já declararam dias depois do julgamento do STF que não adotarão cotas, pois esse não é um critério satisfatório. Não aceitam e não querem adotar.

Correio da Cidadania: São muitos os estudiosos e intelectuais que, em postura diametralmente oposta às críticas e racionalizações de cunho preconceituoso, são contrários à política de cotas, uma política que conformaria uma ‘discriminação positiva’, que apenas maquiaria a exclusão social inerente ao modo capitalista de produção. Não viria, portanto, de encontro efetivo aos princípios básicos de igualdade, pelo contrário, naturalizando a segregação social. O que pensa disto?

Douglas Belchior: É exatamente o contrário. Nossa avaliação é contrária a essa. Quando se assume que o Estado teoricamente democrático como o nosso, em que as políticas universais sempre foram implementadas, desde o início da República, ainda possui um recorte de desigualdade racial desse tamanho, está se expondo o problema; ao se ter uma política que visa equacionar o problema, expõe-se, como eles dizem, o capitalismo como monstro sugador e destruidor de seres humanos, inclusive no modelo vigente de democracia. A política de cotas não maquia nada, ao contrário, expõe o problema. Só é possível implementar tal política a partir do momento em que se assume que a política universal não dá conta, que há ainda uma desigualdade profunda.

Para nós, esse argumento está invertido. O racismo para nós é o elemento estruturante da desigualdade social do Brasil, fato que não é enfrentado nem pela direita nem pela esquerda. Aliás, a direita sabe disso, sabe o quanto o racismo é explosivo e mobilizador de massas.

Pensamos que, quanto mais política de cotas se faz, mais os negros vão ocupar lugares que nunca ocuparam. E mais, o racismo vai aparecer, porque, se os negros passam a ocupar lugares inéditos, estranhos a eles e aos demais, vai acontecer mais discriminação e o racismo deixará de ser velado. Ao aparecer, gera o conflito, e tal conflito também é de classe. É isso que aqueles que defendem a luta de classes deveriam reivindicar. A negativa do conflito de raças contribui para a negativa do conflito de classes. É esse entendimento que a esquerda brasileira tem dificuldade de alcançar. Na verdade, o debate racial é fundamental, em favor do povo brasileiro, dentro da luta de classes.

Correio da Cidadania: Mas, neste sentido, um aspecto essencial das críticas destes estudiosos à política de cotas diz respeito ao fato de que ela desfocaria o movimento negro, e a própria classe trabalhadora, precisamente da luta maior e mais significativa desta classe, aquela que deve se voltar contra o sistema capitalista, o responsável maior pela opressão e discriminação.

Douglas Belchior: Pelo contrário, essa luta fortalece a classe trabalhadora, à medida que expõe o problema e coloca negros, majoritariamente pobres da classe trabalhadora, nos espaços da contradição. É isso que servirá de combustível para a revolução brasileira: o povo se rebelar conforme percebe que essa democracia é mentirosa, que não basta estar inserido nela de forma rebaixada. É um combustível que devemos alimentar.

Correio da Cidadania: Você não acredita, de todo modo, que a luta pelo ensino universal, gratuito e de qualidade, assim como pela igualdade e justiça social, possa, de alguma forma, perder espaço com esse e outros debates de políticas segmentadas?

Douglas Belchior: Não, pois em nenhum momento o movimento negro contrapôs a necessidade de se investir na educação como um todo, desde a base, às políticas de ação afirmativa. Isso é uma criação daqueles que defendem o contrário às cotas. A defesa do movimento por ações afirmativas, como as cotas, sempre vem acompanhada pela defesa de investimentos e prioridade à educação. Isso é argumento de quem quer criar subterfúgios para não defender cotas.

O fato é que as políticas de cunho universal já são implantadas há mais de 100 anos no país. E não deram conta. Não dá pra esperar o socialismo para garantir que o negro tenha acesso à universidade, pelo amor de deus! Para nós, é descabida tal afirmação. Quando defendemos cotas nas universidades, estamos garantindo lugares para pobres e filhos de trabalhadores. A chance de colocar pobre na universidade é de 100% através desse artifício. Quando as cotas não são raciais, abre-se precedente para que os mais pobres tenham mais dificuldades de entrar. É o que acontece no Prouni, por exemplo. Tem cota pra negro, índio, deficiente, e tem cotas voltadas aos estudantes de escolas públicas, sem recorte racial. Mas aqueles que entram na universidade, provenientes das escolas públicas, não são os mais pobres da escola pública. São aqueles um pouco mais preparados, com um pouco mais de condições ao longo da vida. E sabemos que o perfil deste público não é o mais precarizado. Tanto é assim que ainda se faz necessário o recorte racial.

Se pegarmos os dados do próprio IBGE, conferimos que 72% da população mais pobre do país é negra. Como os camaradas marxistas e de esquerda não vão defender cotas? Pelo amor de deus. A pobreza no Brasil tem cor, é caracterizada pela pele preta. Não tem jeito.

Correio da Cidadania: O que diria sobre o exemplo da África do Sul pós-apartheid, citado por correntes críticas às cotas raciais como um exemplo da manutenção das opressões de classe, mesmo com o fim da segregação étnico-racial?

Douglas Belchior: É um paralelo complicado de ser feito, porque em todas as sociedades existe uma lógica de cooptação da classe trabalhadora promovida pela burguesia. No Brasil, existem experiências de trabalhador que chegou ao poder e depois oprimiu o próprio colega trabalhador. Isso não é exclusividade da população negra, pois está colocado na sociedade em geral. Essa colocação chega a ser maldosa, no sentido de desqualificar o debate da luta racial no Brasil, que tem uma especificidade única no mundo. Trata-se do maior caso de escravidão da humanidade, quase 400 anos.

Temos uma situação de pós-abolição, República e democracia que não garantiu as condições de cidadania dessa população. Temos a terceira maior comunidade carcerária do mundo e a maioria esmagadora dessa população é negra. A polícia mata três vezes mais preto do que branco no Brasil. Enviesar o debate fazendo comparações com a África do Sul esconde que o problema não ocorre pelo fato de serem negros, e sim pelo fato de o homem explorar o próprio homem.

É o mesmo perigo de pobres entrarem na universidade e reproduzirem a mesma lógica do sistema sobre os demais. O problema não está em serem ou não negros os beneficiários, e sim no modelo de sociedade. Os progressistas não conseguem mudar a correlação de forças no país, ora. Estamos perdendo a luta de classes no país há muito tempo, sem hegemonia, unidade. Não é problema racial, e sim social.

Não dá pra aceitar essa colocação, é maldosa, descabida, sem fundamento. Se fosse fácil assim, o país viveria outro momento. Tivemos oito anos de governo Lula, agora Dilma, anos e anos de partido de esquerda e de trabalhadores, e o que de fato mudou na correlação de forças entre o capital e o trabalho no Brasil? Nada. E eu vou cobrar o Lula por ser nordestino ou a Dilma por ter sido guerrilheira? Não tem cabimento, a lógica não é essa.

Correio da Cidadania: Mas ainda assim a concentração de tanta energia na luta pela consolidação das cotas não distrai o movimento de outras lutas igualmente prementes, uma vez que, no final das contas, só uma ínfima parte da população negra irá acessar a universidade pública?

Douglas Belchior: O que deu muita direção ao movimento negro nos últimos 10, 12, anos foi o debate em cima das cotas, porque a burguesia enfrentou muito essa política, é a luta à qual ela mais se opôs. Agora estamos em outra luta muito importante, pela efetivação da lei 10.639, que institui o ensino de História da África nas escolas. É uma luta difícil, porque é cotidiana. O Estado não propõe, não treina, não capacita profissionais, a universidade não forma educadores nesse sentido, portanto, fica muito a cargo do movimento negro preparar seus quadros e colocar tais conhecimentos em prática. O Estado não investe, não efetiva esse ensino. E a outra frente é a luta contra a violência, contra o que chamamos de genocídio da juventude negra, através da ação violenta da polícia dirigida a essa porção da juventude e dos negros. Temos vários números e estudos que atestam isso.

Uma luta leva conseqüências à outra. Nunca fazemos debates descolados. Por um lado, temos direitos legais, direito à universidade, escola de qualidade, moradia, saúde pública, oportunidade no mercado de trabalho; por outro lado, temos a ação violenta do Estado, que reprime o povo que mora na rua, não tem casa, sofre com o vício em drogas, o povo que por falta de alternativa e chance no mercado entra na criminalidade. Se, por um lado, o Estado nega direitos, joga na marginalidade uma grande população, por outro lado, o braço armado do Estado faz a limpeza étnica: ou mata ou prende.

O debate nunca é descolado. A política de ação afirmativa, de cotas em universidades, em concursos públicos, em empresas, na mídia, é uma forma de desafogar uma parte dessa população que costuma ser jogada na marginalidade, que será reprimida pelo poder armado do Estado. Uma coisa não é deslocada da outra, ambos os debates seguem na linha de frente do movimento.

Correio da Cidadania: Dados oficiais da República atestam que os afro-descendentes já se afirmaram como 50% + 1 da população, portanto, índice muito acima do que se pretende reservar a eles nos bancos das universidades públicas. O que você diria sobre essa aparente contradição, ainda é possível avançar mais sobre ela?

Douglas Belchior: Não tenho dúvidas, pois ainda existe gente que discute a questão racial como problema de minoria, o que não é verdade, pois somos uma maioria. Uma maioria oprimida por um sistema estrutural e culturalmente racista. Grande parte da população é educada nessa sociedade de forma que reproduz mentalidades e discursos de uma sociedade racista.

De toda forma, existe um padrão na reivindicação da política de cotas, que está estabelecido no projeto ora engavetado na CCJ do Senado: que a cota seja, no mínimo, proporcional à presença negra nos estados da federação. Desse modo, caso aplicada tal norma, as universidades públicas de São Paulo teriam de obedecer a uma cota de aproximadamente 30%, de acordo com os dados do IBGE. Esse número variaria de acordo com os dados oficiais de cada estado. Na Bahia seria uma proporção bem maior; no Rio Grande do Sul e Paraná, menor. Basta aprovar a lei.

Correio da Cidadania: Como analisa, de um modo mais amplo, as políticas de promoção da igualdade étnica e racial, além da luta anti-racista, nos últimos governos?

Douglas Belchior: Avançamos pouco. É verdade que avançamos, não se pode negar, mas não muito. O governo Lula e agora Dilma deram alguns passos importantes, mas que não saíram do patamar simbólico. Temos dois grandes exemplos: primeiro, a lei 10.639, acima citada, que se não me engano foi a primeira sancionada pelo Lula, em 2003. É uma lei federal, uma luta histórica do movimento negro, conseguimos essa vitória muito importante. Até que a lei se concretize é outro processo, uma vez que não percebemos o Estado brasileiro, em diversos níveis, se empenhar no sentido de tornar essa lei uma realidade.

Outro símbolo deste momento é o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado de maneira esvaziada, diferentemente da maneira que o movimento negro reivindicou. Apenas orienta, não determina, não garante implementação de políticas de ações afirmativas, não assegura as cotas com força de lei, esvazia a luta da população negra por saúde pública. Não previu cotas, por exemplo, na mídia, outro espaço extremamente embranquecido, formador de uma consciência racista que, mesmo assim, não sofreu uma interferência consolidada.

Portanto, apesar de evidentemente percebermos avanços, porque a política de governo propõe avanços, não tivemos políticas de Estado que nos dêem confiança de que tudo irá se consolidar.

Correio da Cidadania: No que se refere ao governo atual, como o movimento negro enxerga a Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (Seppir) e o papel até agora desempenhado?

Douglas Belchior: Considerando que o povo negro perfaz maioria absoluta da população brasileira, a Seppir tinha de ser um Ministério prioritário, com recursos de primeiro nível. Tinha que ser um Ministério do patamar do Ministério da Saúde, Educação, do Trabalho. E não é o que vemos. É um órgão que tem recursos limitados, ações limitadas, pessoal limitado, e que infelizmente tem uma política muito partidarizada, não consegue fazer ações coincidentes em todo o país.

O resultado disso nós vemos, por exemplo, nos parcos resultados a respeito da titulação das terras quilombolas, onde a população remanescente de quilombos no país, mesmo após 10 anos de governo de esquerda, não tem sequer o direito à terra garantido. Assim como a reforma agrária, sem dúvidas, andou menos do que poderia e deveria, a titulação de terras quilombolas também andou muito pouco.

Correio da Cidadania: E agora se tenta, inclusive, uma ofensiva no Congresso contra essas populações, através da ação da bancada ruralista, com a PEC 215, que visa transferir do Executivo ao Legislativo (ou seja, da presidência para o parlamento habitado pela vasta bancada ruralista) a capacidade de titulação de terras indígenas e quilombolas.

Douglas Belchior: Sem dúvidas, estamos sendo muito atacados, e o governo segue uma lógica permissiva com o agronegócio. De novo vemos os negros perderem muito com isso. E de acordo com o último censo agrário, a maioria da população do campo também é negra. O problema da titulação das terras quilombolas e também da reforma agrária atinge, portanto, majoritariamente a população negra.

Correio da Cidadania: Não poderia existir uma maior articulação do movimento negro nas cidades com esses povos quilombolas, originários? Isso não fortaleceria toda a luta conjuntamente, talvez reforçando a própria consciência histórica e cultural dessa imensa maioria de negros que vive no Brasil urbano?

Douglas Belchior: O movimento negro ainda não conseguiu se afirmar como um movimento articulado nacionalmente. Infelizmente, vemos muita partidarização dos movimentos, que, assim como no campo sindical, atrapalha a articulação das lutas. E infelizmente não se consegue perceber o papel fundamental do racismo ideológico no sentido de nos articular.

Mas como podemos não ter luta racial em nível nacional como, por exemplo, têm as mulheres – que, mesmo com toda a partidarização, conseguiram alcançar alto patamar de organização? Assim, elas conseguiram pautar coisas importantes no Brasil, grandes mobilizações em escala nacional. E isso o movimento negro ainda não conseguiu, muito por conta de subserviência a partidos e projetos partidários que nem de longe são dirigidos por nós ou possuem nossa mentalidade.

Os partidos políticos no Brasil, da direita à esquerda, permanecem funcionando numa lógica eurocêntrica. Poder eurocêntrico e maneira de ver o mundo eurocêntrica. Não respeitam nossa ancestralidade, nossa cultura. E o movimento negro acaba sendo subserviente, limitando-se à ocupação de setoriais, de partidos e governos.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.