
Delegado revela em livro que viraram cinzas os corpos de
David Capistrano, Ana Rosa Kucinski e outros oito opositores da ditadura
Ele lançou bombas por todo o país e participou, em 1981 no
Rio de Janeiro, do atentado contra o show do 1º de Maio no Pavilhão do
Riocentro. Esteve envolvido no assassinato de aproximadamente uma centena de
pessoas durante a ditadura militar. Trata-se de um delegado capixaba que herdou
os subordinados do delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury nas forças de
resistência violenta à redemocratização do Brasil.
Apesar disso, o nome de Cláudio Guerra nunca esteve em
listas de entidades de defesa dos direitos humanos. Mas com o lançamento do
livro “Memórias de uma guerra suja”, que acaba de ser editado, esse ex-delegado
do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) entrará para a história como
um dos principais terroristas de direita que já existiu no País.
Mais do que esse novo personagem, o depoimento recolhido
pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, ao longo dos últimos dois
anos, traz revelações bombásticas sobre alguns dos acontecimentos mais
marcantes das décadas de 70 e 80.
Revelações sobre o próprio caso do Riocentro; o assassinato
do jornalista Alexandre Von Baumgarten, em 1982; a morte do delegado Fleury; a
aproximação entre o crime organizado e setores militares na luta para manter a
repressão; e dos nomes de alguns dos financiadores privados das ações do
terrorismo de Estado que se estabeleceu naquele período.
A reportagem do iG teve acesso ao livro, editado pela
Topbooks. O relato de Cláudio Guerra é impressionante. Tão detalhado e objetivo
que tem tudo para se tornar um dos roteiros de trabalho da Comissão da verdade,
criada para apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, período
que inclui a ditadura militar (1964-1988).
David Capistrano, Massena, Kucinski e
outros incinerados
Cláudio Guerra conta, por exemplo, como incinerou os corpos
de dez presos políticos numa usina de açúcar do norte Estado do Rio de Janeiro.
Corpos que nunca mais serão encontrados – conforme ele testemunha – de
militantes de esquerda que foram torturados barbaramente.
“Em determinado momento da guerra contra os adversários do
regime passamos a discutir o que fazer com os corpos dos eliminados na luta
clandestina. Estávamos no final de 1973. Precisávamos ter um plano. Embora a
imprensa estivesse sob censura, havia resistência interna e no exterior contra
os atos clandestinos, a tortura e as mortes.”
Os dez presos incinerados
– João Batista e Joaquim Pires Cerveira, presos na
Argentina pela equipe do delegado Fleury;
– Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva, “a mulher apresentava
marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente, e o
jovem não tinha as unhas da mão direita”;
– David Capistrano (“lhe haviam arrancado a mão direita”) ,
João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes
históricos do PCB;
– Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier
Filho, militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML).
O delegado lembrou do ex-vice-governador do Rio de Janeiro
Heli Ribeiro, proprietário da usina de açúcar Cambahyba, localizada no
município de Campos, a quem ele fornecia armas regularmente para combater os
sem-terra da região. Heli Ribeiro, segundo conta, “faria o que fosse preciso
para evitar que o comunismo tomasse o poder no Brasil”.
Cláudio Guerra revelou a amizade com o dono da usina para
seus superiores: o coronel da cavalaria do Exército Freddie Perdigão Pereira,
que trabalhava para o Serviço Nacional de Informações (SNI), e o comandante da
Marinha Antônio Vieira, que atuava no Centro de Informações da Marinha
(Cenimar).
Afirma que levou, então, os dois comandantes até a fazenda:
“O local foi aprovado. O forno da usina era enorme. Ideal
para transformar em cinzas qualquer vestígio humano.”
“A usina passou, em contrapartida, a receber benefícios dos
militares pelos bons serviços prestados. Era um período de dificuldade
econômica e os usineiros da região estavam pendurados em dívidas. Mas o pessoal
da Cambahyba, não. Eles tinham acesso fácil a financiamentos e outros
benefícios que o Estado poderia prestar.”
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