No Jornal doBrasil, por Caio Lima*
Uma nova metodologia de ensino que utiliza amplamente os
novos meios tecnológicos está nascendo na cidade
do Rio de Janeiro. Os 180 alunos do 7º, 8º e 9º ano da Escola Municipal André
Urani, na favela da Rocinha, Zona Sul do Rio, já estão integrados ao Projeto
Ginásio Experimental de Novas Tecnologias Educacionais, o Gente. Com isso,
esses jovens são os pioneiros da iniciativa da Secretaria Municipal de Educação
(SME) que, além de tirar da escola velhas práticas da educação tradicional,
como a utilização de quadros negros e giz, dá autonomia ao aluno para decidir o
ritmo de seu próprio aprendizado.
De acordo com o subsecretário de Novas Tecnologias
Educacionais da SME e idealizador do projeto Gente, Rafael Parente, a
iniciativa representa uma resposta ao sistema de aprendizagem vigente na maioria
das escolas, que segundo ele é “falido”.
“Em primeiro lugar, é dar certeza que o modelo atual não
responde aos anseios dos alunos. A escola de hoje está meio falida, já há um
consenso para mudar o trabalho dos educadores” ressalta Parente, que explica como
foi o processo para criar o projeto: “como todos se perguntavam como conseguir
um novo modelo de escola, comecei a acompanhar discussões de pais e alunos em
redes sociais e visitei escolas com outros modelos não tradicionais.
A partir daí, unimos alguns conceitos e teorias de profissionais em pedagogia,
neurociências, entre outras áreas, e achamos um direcionamento educacional para
criar esse novo conceito, o Gente”, revelou ao Jornal do Brasil.
A nova metodologia de ensino tem como objetivo proporcionar
ao aluno autonomia e criar um espaço de construção colaborativa do
conhecimento, a partir das novas tecnologias. Para alcançar isso, os 180 alunos
são divididos em 30 “famílias” de seis, independentemente da série em que estão
matriculados.
Nesse primeiro momento de implantação do Gente, denominado
diagnóstico, os próprios alunos escolheram suas “famílias” de acordo com suas
afinidades, mas passam por testes de habilidades cognitivas, que são as
matérias tradicionais, e não cognitivas, que são provas para saber, por
exemplo, como eles pensam o mundo, o senso crítico, o nível de inteligência
emocional e perseverança. Quando o diagnóstico terminar, os alunos serão
realocados de acordo com o resultado dos testes.
Cada aluno do projeto recebeu um tablet ou netbook para
realizar as tarefas do dia-a-dia, onde eles próprios escolhem a ordem e como
fazer, de acordo com um itinerário pré estabelecido semanalmente pelo Gente. Ao
chegarem à escola, os jovens estudantes passam por um processo para
compartilhar com o grupo a expectativa para o dia e, com a ajuda dos
professores, no projeto denominado “mentores”, cada um irá decidir o quê e como
estudar. À livre escolha, eles também têm a opção de escolher eletivas como
línguas estrangeiras, esportes
e artes.
Todas as semanas os estudantes passarão por testes, mas eles
também escolherão quando querem realizá-los. Rafael Parente explica: “o
conteúdo começa a ser passado pelos professores na segunda-feira e seguem
durante toda a semana. Na quinta-feira, na parte da tarde, todos devem ter
respondido às seis perguntas, de três níveis de dificuldade, formuladas por um
sistema inteligente chamado Máquina de Testes. No entanto, se na terça-feira o
aluno já se sentir confiante
para respondê-las, ele poderá requisitar os testes ao seu mentor”.
Caso o aluno não consiga atingir o resultado esperado, já na
sexta-feira ele passa a ter atendimento especial sobre aquela dúvida
específica, ou seja, uma espécie de reforço. “É a personalização do ensino para
o estilo de cada aluno. Todos evoluem em ritmo diferente e, aqui, o estudante
não reprova o ano, ele repete especificamente aquilo que não entendeu durante a
semana”, afirma Parente.
Professor agora é mentor e multidisciplinar
A função tradicional do professor, aquela com quadro negro e
giz, já está totalmente mudada na escola André Urani. Como ressalta André Couto,
representante da ONG Tamboro, responsável por orientar os professores nessa
nova metodologia de ensino, o momento é de um “processo de passo a passo”.
“É um processo de transição porque os professores, agora
chamados mentores, foram formados numa matriz de ensino e agora atuarão de
forma completamente diferente. Aqui eles deixam de ser professores de uma só
disciplina. Uma vez mentor, significa que ele terá um olhar generalista e
participará do itinerário formativo de cada aluno, independente da sua formação.
Ao invés de explicar a matéria, o professor-mentor vai, junto com o
aluno, resolver e buscar o conhecimento por meio de educopédias na web,
aplicativos, livros interativos. Essencialmente, eles devem saber como
estimular o processo de aprendizado do estudante”, explica André Couto.
Uma das novas professoras mentoras do colégio André Urani é
Flávia Soares Martins. Formada em Ciências e 24 anos lecionando, Flávia se diz
uma entusiasta do projeto.
“A educação tradicional está fora de moda. No meu tempo, se
tivesse algo do tipo, ninguém iria querer matar aula, agora ficou interessante
estudar. O interesse das crianças pelas máquinas é fascinante. Não podemos
saber se todas as escolas chegarão a esse patamar, mas o que importa é que
estamos lutando por melhorias na educação. Terão alguns erros, mas o que
faremos é lapidar e aparar as arestas para melhorar cada vez mais esse
projeto”, ressalta a mentora.
Cada professor-mentor fica responsável por 18 alunos, ou
seja, três “famílias” de seis.
Oportunidade
Um dos alunos do colégio Eduardo Paiva da Silva, 11 anos,
que estaria no 7º ano, comemora a mudança de escola. Ex-aluno da Escola
Municipal Francisco de Paula Brito, ele diz estar “muito feliz” com a nova
oportunidade em sua vida.
“É muito bom porque eu não tinha isso na minha última
escola. Agora eu tenho a oportunidade de usar tecnologia. Isso vai melhorar
meus estudos e vou aprender mais”, garante, entusiasmado, Eduardo.
Escola que nem parece escola
Quem visita o colégio André Urani certamente vai estranhar o
ambiente que, na verdade, nem se parece com uma escola. Em lugar das diversas
salas de aula, três salões com diversas mesas para seis pessoas dão conta dos
180 alunos do projeto. Já as paredes, extremamente coloridas, estão estampadas
com fotos de alunos do colégio, para identificá-los à escola, e frases para
estimular o futuro de personalidades como Charles Chaplin, Bob Marley e Oscar
Niemeyer. Uma delas, do arquiteto Niemeyer, diz: “A gente tem que sonhar, senão
as coisas não acontecem”.
Futuro
Ciente das constantes evoluções tecnológicas, o idealizador
do Gente, Rafael Parente, afirma que o projeto “não é pronto e imutável”.
“Deve ser constantemente repensado e recriado, inclusive
para acompanhar a rapidez com que surgem as novas tecnologias. A educação deve
seguir a mesma velocidade das tecnologias para as escolas não ficarem
para trás”, afirma Parente.
De acordo com o subsecretário de Novas Tecnologias
Educacionais, o Gente pretende atingir, até 2014, além do André Urani, mais
cinco escolas da rede municipal de ensino, 30 em 2015 e 125 em 2016.
*Do Programa de Estágio do Jornal do Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário