quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Caos em Gotham


Por Marcello chavez


Na antiga concepção grega a crise não possui um significado pejorativo, e sim remete a etapas de um processo de autoconhecimento, obstáculos cíclicos no processo da vida, que nos desvela o mundo e a nossa natureza. Em momentos como este que passamos aqui em Gotham City, podemos perceber com bastante nitidez certos aspectos sociais que trazem a tona a seguinte pergunta: somos realmente civilizados ou apenas animais mantidos na coleira pelo sistema e seu aparato repressor?


Animais em seus dois sentidos básicos – predador e presas. Predadores armados, andando em bandos e abatendo presas acuadas e amedrontadas, incapazes de reagir. O que fazer quando o sistema entra em crise? O que fazer quando milícias armadas ameaçam o Estado de Direto? O que exatamente desencadeia o caos?


Percebo uma linha muito fina entre o logos e o caos, entre um comportamento civilizado regido pela razão em busca do bem comum e um comportamento belicoso animalesco. Tanto nos atos considerados leves, até os delitos mais graves, essa linha está presente, e reside basicamente na impunidade, na invisibilidade individual favorecida pela falta de policiamento, ou invisibilidade coletiva gerada pelo efeito turba.


Existe a ressalva para a situação extrema, a submissão humana a níveis absurdos leva a comportamentos também extremos. Situações de perigo, de fome, de tortura, pode nos levar facilmente ao comportamento animal. O que não é o caso. Nenhum desses saques foi motivado por fome extrema; nenhum desses atentados, feitos por criminosos sem rostos, foram motivados por situações extremas. O principal alvo de saques foram lojas de aparelhos eletrônicos, objetos de desejo ao alcance das mãos, sem ninguém olhando; o principal alvo dos ditos grevistas foi o povo, tentando impor um estado de medo para favorecer a interesses pseudo corporativos, buscando a impunidade através da invisibilidade de uma classe que, neste caso, só se enquadra na de terrorista. Não falo aqui da campanha nacional legítima da categoria ou dos protestos pacíficos dos reais servidores públicos da PM baiana.


Será que o povo de Salvador e interior atacou a PM assim tão ferozmente para merecer essa reação armada covarde?!!!


A autoridade de um policial militar tem limites bem definidos, e dentro desses limites não está incluída a possibilidade de chantagem, de desrespeito acintoso, de arma em punho contra o estado de direito, contra o povo. A principal instituição de um estado democrático é o cidadão, e este jamais poderá ser ameaçado ou chantageado por um agente público, Isso é inadmissível.


Mas isso é coisa de pobre querendo LCD na sala, ou de polícia despreparada de país em desenvolvimento? Não, é um aspecto genuinamente humano, mundial. Uma vez, assistindo a uma partida de futebol do Campeonato Inglês alguém falou: “Nossa, não tem alambrado e ninguém invade. Que povo civilizado!” Comentei o elogio perguntando: “Você se lembra dos Hooligans, da tragédia do Estádio do Heysel na Bélgica, Taça dos Campeões Europeus de 1985, entre Liverpool e a Juventus, resultando em 38 mortos e inúmeros feridos? Esse jogo mudou quase toda a legislação europeia em relação a torcedores e estádios de futebol. O alambrado foi substituído por uma dura legislação e fiscalização nos estádios, diminuindo a possibilidade da invisibilidade e punindo exemplarmente. Mantendo assim os animais de lá na coleira.


Já vimos várias vezes um caminhão tombado ser saqueado por “populares”, gente sem nome, invisíveis na turba. Por que a pequena diferença de estado entre o caminhão tombado e o caminhão não-tombado é determinante para o início da barbárie? Por que ao tombar o caminhão rompe a tênue linha entre o caos e o logos? Essas são as perguntas que a crise nos deixa, e para nós e os nossos governantes ficam as perguntas: “Onde, como, quando e por que o caminhão tombou?”.

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