quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Uma representação no MP contra a campanha desrespeitosa e sexista

Reproduzo artigo publicado pela redação do site Carta Capital

Entidades e pessoas físicas enviaram documento ao Ministério Público Eleitoral contestando abordagem da religião e discriminação de gênero em campanha

Pessoas físicas e organizações não governamentais enviaram nesta quarta-feira 27 uma representação ao Ministério Público Eleitoral de São Paulo, contestando a discussão sobre questões religiosas nestas eleições e tratamento discriminatório de gênero.

No documento relatam que “a campanha eleitoral além de contrariar a separação entre Estado e Religião, imposta pelo Princípio de Laicidade do Estado brasileiro, desrespeita também a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais de alguns grupos sociais”.

Em outro trecho, afirmam que “a convicção pessoal do candidato/a sobre o aborto não é ponto central de uma plataforma política de governo”.

A carta dirigida ao Ministério Público também se refere à propaganda eleitoral do candidato do PSDB, José Serra, como “abusiva” já que “nestas eleições, manifestações agressivas com base na identidade de gênero, direcionadas a única candidata mulher, não podem ser entendidas como injúria pessoal, de cunho exclusivo daquela candidata. Trata-se de ofensa a todas as mulheres e meninas, caracterizando a situação como grave e preocupante”.

Leia a íntegra da representação enviada hoje ao PME:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL EM SÃO PAULO PEDRO BARBOSA PEREIRA NETO.

As pessoas físicas e as organizações sociais e/ou não governamentais abaixo assinadas e identificadas, vem, respeitosamente, relatar os seguintes fatos que ensejam a atuação do Ministério Público Federal Eleitoral em relação à campanha eleitoral à Presidência da República, desempenhada pela Coligação “O Brasil pode mais” e pela Coligação “Para o Brasil Seguir Mudando”, nos termos a seguir aduzidos:

Contexto da campanha política das coligações

A democracia é um dos bens mais preciosos que vêm sendo conquistados no Brasil, de forma lenta, às vezes contraditória, mas progressiva. As eleições, com todos os seus limites, representam um retrato da democracia formal. Trata-se de um momento privilegiado para que as diferenças se contraponham na arena política e assim se construam consensos e novas propostas para o bem do povo brasileiro.

No presente momento, nossa democracia está sendo vergonhosamente desrespeitada. A propaganda eleitoral e o discurso dos candidatos – nos meios de comunicação impressos, rádio, televisão ou internet – se apresentam com fundamento (pretensamente) religioso para influenciar de forma ilegítima o processo eleitoral.

A campanha eleitoral além de contrariar a separação entre Estado e Religião, impostas pelo Princípio da Laicidade do Estado brasileiro (art. 19, inciso I, da CF/88), desrespeita também a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais de alguns grupos sociais (art. 1º, III; art. 3º inciso IV da CF/88). Exemplos que se tornaram públicos são os discursos que negociam os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres em torno da descriminalização do aborto e os discursos que negociam o casamento (ou união estável ou união civil) de pessoas do mesmo sexo. Ambas as situações se propõem a negar estas reivindicações, com base em preceitos religiosos cristãos; apenas fortalecem a influência da religião nos processos políticos, sem pensar o grave problema de saúde pública – diante do índice de mortalidade materna por abortamento ilegal e inseguro vivenciado por mulheres pobres – e a discriminação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, desprovidos do reconhecimento de parte significativa de seus direitos civis.

O que este dois movimentos sociais – LGBT (de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) e o movimento de mulheres – defendem é tão somente o respeito à democracia, aos direitos civis, à autonomia individual sem discriminação de qualquer natureza. Querem ter o direito à igualdade proclamada pela Constituição Federal, querem ter o reconhecimento de seus direitos civis, que nada mais são que direitos humanos.

Irresponsável é o líder religioso que não enxerga a realidade, baseando-se apenas em princípios abstratos que contradizem o autêntico valor da vida, com a plena dignidade que ela deveria ter. Ainda mais irresponsável é o líder político que, amedrontado frente a ameaças eleitoreiras, deixa de comprometer-se com seu dever de chefe de Estado. Um Estado laico deve respeitar todas as religiões, mas jamais pode ser regido por princípios religiosos.

O Estado brasileiro é laico. O avanço da democracia brasileira é que tem permitido pautar, nos últimos anos, os direitos civis dos homossexuais e combater a homofobia, Também tem permitido realizar a promoção da autonomia das mulheres e combater o machismo, entre os demais avanços alcançados. O progresso não pode parar.

Lamentavelmente, nos últimos dias, ficou claro que esta polarização religiosa nas campanhas apenas oportunizou que grupos conservadores disseminassem o ódio na política, em nome de supostos valores religiosos. Não se pode aceitar esta tentativa de utilização do medo como orientador de nossos processos políticos. Não podemos aceitar que o processo eleitoral seja confundido com uma escolha de posicionamentos religiosos de candidatos e eleitores. Não se pode aceitar que estimulem o ódio entre o povo brasileiro. Por isso, causa extrema preocupação constatar a tentativa de utilização indevida da boa fé e da religiosidade de milhões de brasileiras e brasileiros para influir no resultado das eleições presidenciais que vivenciamos, diante de suas conseqüências nada democráticas e inclusivas.

A convicção pessoal do candidato/a sobre o aborto não é ponto central de uma plataforma política de governo, mas sim quais propostas apresentam como estadista, como governante, para enfrentar esse grave problema de saúde pública, por exemplo. Como se sabe, não é permitido pautar decisões de Estado em convicções pessoais e em dogmas de fé. Dessa maneira, debater se um candidato/a é contrário ou favorável ao aborto, ignorando os riscos de morte em privilégio de valores religiosos, evidencia que os direitos de grupos – desta vez, os direitos das mulheres – estão sendo tratados de maneira eleitoreira, afastados de uma ética na política, que deveria estar aliada ao princípio da dignidade humana e da laicidade do Estado.

De toda forma, o que está em jogo não são os direitos civis das pessoas do mesmo sexo ou o direito ao abortamento legal e seguro, e sim a democracia.

Não se pode permitir que posições ideológicas e políticas, pautadas em discurso (pretensamente) religioso em favor da vida, ou em favor da família e da moral cristã, se imponham de forma desonesta e difamatória a um governo que se pretende verdadeiramente democrático. Não se pode permitir que este processo eleitoral envergonhe nosso país, que tem sido reconhecido internacionalmente como promotor da verdade e da paz.

Diante do desrespeito aos princípios democráticos constitucionais, considerando a ameaça que a propaganda eleitoral tem representado também aos direitos fundamentais de parte da população, buscamos o Ministério Público, como instituição responsável também em proteger os direitos individuais e sociais indisponíveis (art. 127 da CF/88 e art. 1º da Lei 8.265/93) para se manifestar em favor da democracia, em defesa da laicidade do Estado neste processo eleitoral, e garantir o respeito à dignidade da pessoa humana e a não discriminação como fundamento da ética na propaganda eleitoral no Brasil.

A indevida utilização da religião na campanha política

As duas campanhas à presidência evocam habitualmente o apoio de Deus, como se o eleitorado e a sociedade brasileira comungassem de uma crença única, ou como não existissem pessoas sem religião ou credo. Se estas manifestações pessoais fazem parte de uma estratégia de propaganda, ai é necessário se impor os limites legais que não afrontem as bases de um Estado laico e democrático. Não é permitido fundamentar ações de Estado em convicções íntimas e em dogmas de fé, mesmo que se venha a pensar em dogmas de uma religião majoritária. É esta riqueza de respeito à pluralidade que deve pautar as propostas de um Chefe de Estado e de uma ética na política.

As duas coligações presidenciais – “O Brasil pode mais” e “Para o Brasil Seguir Mudando – valem-se de expedientes vis e imorais ao se utilizar argumentos e valores religiosos, caros ao povo brasileiro, nos embates e debates políticos, colocando em risco a boa fé e a convivência pacífica do povo brasileiro. Campanha política não guarda qualquer relação com fé ou religiosidade. É um meio legal pelo qual os candidatos podem expor suas opiniões e plataformas políticas para alcançar um cargo eletivo, através da adesão e do voto de eleitores num estado laico e livre. Esta opinião livre não pode desrespeitar os limites que já são impostos a todos e ao Estado pela Constituição federal: a dignidade da pessoa humana, a não discriminação e o princípio da laicidade.

Utilizar valores religiosos para atingir cidadãos e eleitores para alcançar seus votos é perverter a finalidade da campanha política e abusar da consciência e da boa fé da população, principalmente quando estes valores ameaçam direitos fundamentais de outros eleitores e eleitoras, tanto pela sua negociação como por uma postura discriminatória. A campanha política vem então envenenada, impregnada e contaminada com preconceito, discriminação e inclusive intolerância religiosa, violadores de direitos humanos e ameaçadores da cidadania do estado laico e republicano, no qual se funda a República Federativa do Brasil.

Os exemplos são públicos e listá-los aqui poderia caracterizar favorecimento a uma ou outra coligação.


A propaganda eleitoral abusiva

A ética na política tem sido habitualmente pautada por denúncias de corrupção no Brasil. No entanto, o tratamento discriminatório aos eleitores e eleitoras também deve pautar a ética nas eleições de 2010, que não se dissocia do direito à não-discriminação e a ao princípio da dignidade humana

É muito importante ressaltar que não são toleráveis agressões a identidade de qualquer candidato, o deboche e a violência simbólica, com uso de imagens ou frases ambíguas, é que são compreendidas como discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais (art. 5°, inciso XLI, CF/88). Nestas eleições, manifestações agressivas com base na identidade de gênero, direcionadas a única candidata mulher, não podem ser entendidas como injúria pessoal, de cunho íntimo exclusivo daquela candidata. Trata-se de ofensa a todas as mulheres e meninas, caracterizando a situação como grave e preocupante.

Qualquer ato discriminatório contra as mulheres através da pessoa de uma candidata mulher, quando se agride a sua identidade, atingirá todos os brasileiros, e não apenas o grupo social mulher com base no princípio da solidariedade[1] como dever jurídico fundamental.

Ressalta-se que mesmo que uma parte da população concorde com as manifestações sexistas e desrespeitosas, aí estará uma típica situação de interesse difuso, marcado, como se sabe, pela conflituosidade, e de competência portanto do Ministério Público.


Diante do exposto, considerando que os fatos acima narrados caracterizam, em tese, ofensa aos artigos 3º., 5º., e 19 da Constituição Federal, requer-se ao Ministério Público sejam tomadas as providências cabíveis.

Nestes Termos

Pede e Esperam por Deferimento

São Paulo, 26 de outubro de 2010

CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR

CNPJ: 00281863/0001-84


IEN – INSTITUTO EDSON NERIS

CNPJ:


COLETIVO FEMINISTA DANDARA


CLADEM BRASIL ( COMITÊ LATINO AMERICANO E DO CARIBE PARA

DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER


UNIÃO DE MULHERES DE SÃO PAULO

CNPJ 52805538/0001-77


GRUPO SOLIDÁRIO SÃO DOMINGOS

ANA FERRI DE BARROS

PSICÓLOGA CRP 06/81348


DANIEL SOTTOMAIOR

RG no. 36.592.53-2 SSP/SP


DORA M. DE ALMEIDA PRADO PECCI

RG no. 13.82585 SSP/SP


EDUARDO PIZA GOMES DE MELLO

OAB SP no. 84.243

RG no. 12.325938-1 SSP SP


ELIENE SILVA


ELISA HELENA ROCHA DE CARVALHO

RG no. 3.171.052


ISABEL APARECIDA FELIX

RG no. 12.856.818-5


IVONE GEBARA

RG no. 3.159387 SSP-SP


JANAÍNA LESLÃO GARCIA

RG no. 7386668-5


JOÃO XERRI


JOSÉ JULIANO DE CARVALHO FILHO

RG no. 2.313.051 – SSP/SP


MARINA GONÇALVES DE BONIS

RG no. 15.138.786.92


REGINA MACHADO


RENATA CARVALHO DA SILVA

RG no. 33231681-6


ROSA DE LOURDES AZEVEDO DOS SANTOS

RG 83771694 SSP/SP.


ROSANGELA APARECIDA TALIB

RG no. 4763818-70


SÉRGIO ABREU

RG no. 16.666.218 SSP/SP


SÉRGIO LUIZ DE ALMEIDA PRADO PECCI

RG no. 11.794.446-4



VALÉRIA MELKI BUSIN

RG no. 6.903.858-4



[1] “(…) prende-se à idéia de responsabilidade de todos pelas carências ou necessidades de qualquer indivíduo ou grupo social. É a transposição, no plano da sociedade política, da obligatio in solidum do direito privado romano. O fundamento ético desse princípio encontra-se na idéia de justiça distributiva, entendida como a necessária compensação de bens e vantagens entre as classes sociais, com a socialização dos riscos normais da existência humana “. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, São Paulo, Saraiva, 1999, pp. 51-52

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