terça-feira, 14 de junho de 2011

Tropa 2: ainda conservador

Por Sérgio Domingues, no blog Mídia Vigiada:

O novo filme de José Padilha continua conservador. Agora, os políticos corruptos são os grandes vilões, mas aqueles que os corrompem ficam na sombra. As milícias da grande mídia agradecem.

As duas produções de Tropa de Elite são filmes de ação que pretendem fazer denúncia. Mas, não vão à raiz dos problemas que retratam de forma tão explícita. Ao fazer isso, acabam por justificar a forma como a sociedade brasileira está organizada. Com sua injustiça social, violência estatal contra os mais pobres, democracia de fachada e monopólios da grande mídia.

Em Tropa de Elite 2, os vilões são mais numerosos. A corrupção policial e os traficantes de drogas continuam presentes. Mas, a ação das milícias ganhou grande destaque. No filme anterior, boa parte da culpa da violência urbana cabia aos que compram drogas. Estranhamente, dessa vez, a mesma culpa não foi atribuída aos consumidores de TV paga. Um dos serviços vendidos ilegalmente por milicianos.

Tropa 2 chega a uma conclusão que já deveria ser óbvia em sua primeira edição. O único serviço público realmente presente e em funcionamento nas favelas é a polícia. Era questão de tempo para que policiais substituíssem o tráfico e se transformassem em tropa de ocupação com vontade própria. Mercenários dispostos a negociar o acesso às áreas ocupadas com os poderes constituídos. Entre estes, é claro, o poder estatal representado pelos políticos de plantão.

A cena em que Nascimento surra um secretário de estado vem arrancando aplausos nos cinemas. Simboliza a justa revolta popular contra os políticos em geral. O problema é que políticos profissionais não vivem apenas de seus altos salários. Nem se elegeram usando suas economias pessoais. Foram bancados por empresários. Em troca, a grande maioria deles trabalha como facilitadores de negócios para seus financiadores. E muitas vezes, o fazem dentro da lei.

Políticos envolvidos com criminosos comuns são poucos, mas fazem barulho suficiente para esconder ainda mais a já silenciosa ação de seus colegas. Membros das bancadas a serviço de ruralistas, proprietários de meios de comunicação, banqueiros, empreiteiros, mercenários religiosos e empresários de vários setores monopolizados da economia.

O personagem Fraga é uma justa homenagem ao deputado Marcelo Freixo (PSOL). Mas, na vida real, Freixo não apenas é um indivíduo corajoso e com princípios. É uma liderança apoiada em um trabalho de base desenvolvido nas comunidades pobres. Lugares massacrados pela ação conjunta do tráfico, da milícia e da polícia, incluindo o Bope. Ainda assim, Fraga não é o mocinho. Continua a ser Nascimento, com seus métodos violentos.

Mas, o filme de Padilha é conservador principalmente porque mostra a mídia empresarial como defensora da moralidade pública. No filme, a casa da milícia começou a cair porque uma jornalista foi assassinada. Na vida real algo muito parecido aconteceu. Uma equipe do jornal “O Dia” foi seqüestrada e submetida à tortura por milicianos. Até então, as autoridades e a própria imprensa fechavam o olhos para a ação violenta e covarde das milícias. Eram consideradas “formas comunitárias de auto-defesa”.

Na verdade, a responsabilidade da grande imprensa é enorme na montagem do cenário que possibilitou o surgimento das milícias. Cenário que não se limita ao Rio de Janeiro no início do século 21. Inclui um país inteiro vivendo séculos de injustiça social, racismo, truculência policial, criminalização da pobreza, autoritarismo, informação distorcida, preconceitos e corrupção.

Com Tropa de Elite, esquecemos de tudo isso. Vamos ao cinema e nos sentimos vingados pelos murros de Nascimento. Contemplados por denúncias encenadas em ritmo de filme americano. No lugar do debate organizado pela população em associações, partidos, sindicatos, sobram conversas de boteco sobre uma produção da Globo Filmes. No máximo, colóquios de classe média em mega-livrarias.

O final do filme promete uma continuação que chegaria mais fundo em suas denúncias. Difícil acreditar que a mira de Nascimento volte-se para o grande capital. Muitos de seus representantes financiam a vitoriosa produção. Querendo ou não seus realizadores, Tropa 2 trabalha para milícia midiática que justifica um dos sistemas de dominação mais violentos do mundo. E um dos mais inteligentes, também.

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