sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O dia em que Fortaleza parou

Viaturas ficaram paradas em frente à sede da 6ª Companhia do 5º Batalhão da PM (Foto: O Povo)


Por Artur Pires, em seu blog ImpressõesMundanas

De antemão, devo admitir que o título do artigo é um plágio descarado de uma música do grande Raul Seixas chamada “O Dia em que a Terra Parou”. Entre outras estrofes, Raulzito canta que “o comandante não saiu para o quartel, pois sabia que o soldado também não tava lá”. Seriam, então, estas frases um vaticínio preciso do roqueiro? Certamente não, mas que é uma grande ironia do destino, isso é!

O certo mesmo é que nos meus quase 27 anos de vida, 18 deles vividos nesta capital alencarina, não havia ainda presenciado, in loco, um movimento de trabalhadores que influenciasse com tamanha contundência e precisão o cotidiano de uma cidade – e de um Estado também, se considerarmos que os desdobramentos do movimento paredista não se restringiram a Fortaleza - como na última terça-feira, 3 de janeiro, do incipiente 2012. E olhe que já vivenciei greves e mais greves na educação, no transporte público, na saúde etc., mas nenhuma dessas conseguiu a pujança e a onipotência da recente greve dos policiais militares.

Ruas vazias, pessoas trancafiadas em suas casas, órgãos públicos encerrando o expediente mais cedo, comércio de portas cerradas – constatei o Centro da cidade, pois nele trabalho, tal qual um cenário de filme de faroeste hollywoodiano, tamanha sua escassez de pessoas e de lojas abertas. As poucas almas que avistei aparentavam um olhar assustado e trépido, olhando a todo momento e desconfiadamente à sua volta, como que numa sensação de perigo iminente.

Àquele momento, no começo da tarde, pipocavam nas redes sociais notícias de roubos, assaltos, arrastões e toda uma gama de acontecimentos que os programas policialescos adoram. A onda de boataria que se disseminou rapidamente pela mídia, nas redes sociais e de boca em boca apavorou o fortalezense. A cidade estava em pânico – e algo precisava ser feito.

E eis justamente aí o grande erro de Cid. O governador, líder político máximo do Estado, não fez jus à relevância do cargo que ocupa e, como um “Mister M” cearense, simplesmente se escondeu atrás de secretários e assessores que também em nada contribuíram para acalmar a população. O que o governador deveria ter feito, ao invés de brincar de esconde-esconde num momento tão crítico, era ir à tevê, ao rádio e aos jornais instruir a sociedade para que não se apavorasse, uma vez que o Exército e a Força Nacional de Segurança estavam nas ruas da cidade, cumprindo o papel dos policiais em greve. Cid se apequenou no momento em que não podia e essa atitude pode lhe custar caro no xadrez da política cearense. Que o digam as eleições municipais que se avizinham.

Com o passar do dia, o volume de notícias veiculadas pela mídia e a efervescência do assunto nas mídias sociais contribuíram para deixar o governador numa sinuca de bico: não tinha outra opção a não ser engolir goela abaixo o que exigiam os policiais, sob pena de ver a situação degringolar para uma tragédia urbana, o que poderia ser determinante para a morte política de Cid. Diante de um quadro que se pintava cada vez mais caótico e perigoso, os policiais militares cearenses impuseram a mais dura derrota política de Cid Gomes em seus cinco anos de governo. O rei, além de nu, estava de joelhos perante os grevistas.

Com o fim da greve anunciado nas primeiras horas da madrugada de quarta-feira, 4 de janeiro, a máxima que Cid e seus secretários fizeram uso desde que assumiram o poder de que “não negociamos com servidores em greve” caiu por terra. A Polícia Militar do Ceará saiu vitoriosa nessa queda-de-braço; conseguiram um aumento de mais de 50% em seus vencimentos, anistia total e irrestrita para os partícipes do movimento, além da redução da jornada de trabalho de 48 para 40 horas.

Ainda conseguiram o compromisso do Governo do Estado da criação, no prazo de um mês, de uma comissão paritária entre os representantes do governo estadual e das quatro associações dos policiais militares e bombeiros cearenses para formular, em até três meses, novas regras sobre a tabela salarial, discussão de horas-extras, implantação de novo modelo para promoção, e reforma no Código de Ética e Disciplina da PM, que ajudaria no combate a práticas de assédio moral, muito comuns na hierarquia militar.


Mesmo inconstitucional, o movimento dos policiais militares do Ceará reacendeu a chama entre aqueles que acreditam que os trabalhadores, quando unidos e organizados, conseguem arrancar a rodo do patronato vitórias e conquistas. Desculpem o clichê, mas cabe aqui o aforismo: a massa trabalhadora unida é invencível!

Por oportuno – e também para não deixar passar em branco um episódio lamentável envolvendo policiais militares – é importante ressaltar que seria de grande valia que os PMs cearenses, que agora vivenciaram, na prática, a experiência rica e marcante da luta de classes, se mostrassem a partir de agora solidários às lutas de outros servidores estaduais. Fatos como os presenciados em setembro de 2011 na Assembleia Legislativa, em que policiais truculentos atacaram covardemente professores da rede pública estadual que lutavam por melhorias trabalhistas não podem ser mais tolerados sob nenhuma hipótese, principalmente depois do ocorrido no 3 de janeiro, o dia em que Fortaleza parou!

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