Por Gabriel Brito, da redação do sítio Correio da Cidadania. Colaborou: Valéria Nader
No dia 26 de abril, o STF aprovou por votação
unânime a validade das cotas raciais nas universidades públicas brasileiras,
destinando 20% de suas vagas a estudantes afro-descendentes. Apesar de parecer
um enorme avanço na correção das distorções sociais entre negros e brancos no
país, é apenas uma medida, pois, como lembra Douglas Belchior, entrevistado
pelo Correio da Cidadania, a decisão não institui, apenas legaliza as cotas.
De toda forma, Belchior, membro da Uneafro
(União de Núcleos de Educação Popular para Negras(os) e Classe Trabalhadora), afirma
que a decisão contribui para “inaugurar um novo patamar da luta anti-racista”,
que agora precisa transformar as cotas em força de lei. “São Paulo é o estado
mais rico, mais desigual e mais racista do país. USP, UNESP e Unicamp já
declararam dias depois do julgamento do STF que não adotarão cotas, pois esse
não é um critério satisfatório”, destaca, em meio a uma entrevista na qual
criticou setores da direita e esquerda que por distintas razões, se opuseram à
política de cotas.
Questionado sobre a crítica dos citados setores de
esquerda, de que um grande enfoque do movimento negro sobre as cotas distrairia
seus membros da luta maior, contra o sistema que explora, oprime e cristaliza
preconceitos, Belchior nega taxativamente tal visão. Em sua argumentação, a
necessidade de cotas, numa República que adota políticas teoricamente
universalizantes há mais de 100 anos, apenas desnuda mais ainda a perversidade
do sistema e o grau de enraizamento do racismo no Brasil.
Para ele, a esquerda precisa se desvencilhar de
suas visões eurocêntricas de revolução e compreender um pouco mais as
especificidades brasileiras, onde a escravidão foi um caso único de longevidade
e até hoje as diferenças sociais entre negros e brancos são absolutamente
indecentes. “Não dá pra esperar o socialismo para garantir que o negro tenha
acesso à universidade. Se pegarmos os dados do próprio IBGE, conferimos que 72%
da população mais pobre do país é negra. Temos a terceira maior comunidade carcerária
do mundo e a maioria esmagadora dessa população é negra. A polícia mata três
vezes mais preto do que branco no Brasil. Como os camaradas marxistas e de
esquerda não vão defender cotas? Pelo amor de deus. A pobreza no Brasil tem
cor, é caracterizada pela pele preta. Não tem jeito”.
Correio da Cidadania: Como analisa o resultado da
votação realizada pelo STF na semana passada, aprovando por 10 votos a zero a
manutenção e legalização das cotas raciais, que destinam 20% das vagas em
instituições públicas de ensino superior para afro-descendentes?
Douglas Belchior: Para
o movimento negro foi uma grande vitória, construída em vários anos de luta, na
qual a direita brasileira se colocou na trincheira contrária ao avanço das
políticas públicas de interesse da população negra. Sem dúvidas, o resultado
coincidente tanto do placar quanto da justificativa de cada um dos 10 votos
coloca a questão racial como elemento central responsável pelas desigualdades
sociais no Brasil, uma reivindicação sempre feita pelo movimento negro, no
sentido de que não é possível fazer leitura da sociedade, especialmente a
partir das suas dificuldades e desigualdades, sem levar em conta a herança
ainda muito presente da escravidão.
Portanto, isso ficou evidente para nós, não só no
placar (10 x 0 é simbólico, ainda mais numa casa tão conservadora como o STF),
mas também nas justificativas. Cria uma jurisprudência, muito importante,
porque a partir de agora nenhuma universidade ou parlamento brasileiro poderá
fingir que não existe tal precedente. E responde a todas as argumentações
falaciosas que sustentam a negativa ao avanço da política de cotas e políticas
de ações afirmativas. Nesse sentido, foi uma grande vitória para nós.
Correio da Cidadania: Que análise o movimento negro
faz desse momento e da maneira como se travaram os debates sobre o assunto no
país?
Douglas Belchior: Trata-se
de uma vitória muito importante por revigorar a força do movimento para voltar
às ruas em campanhas e ações contundentes no sentido de tornar concreto esse
avanço. Inaugura-se um novo patamar da luta anti-racista, mas tal resultado não
traz uma vitória concreta, real, não traz automaticamente os resultados dessa
luta, uma vez que não obriga as universidades a instituírem as cotas. O que STF
fala é que a política de cotas é legal, legítima, moral. Mas o que vai obrigar
as universidades a adotarem tais políticas é o parlamento, através de leis. E
está lá numa gaveta o projeto de lei, na Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) do Senado, que institui a política de cotas em todas as universidades
públicas do país. Ou seja, o argumento que a própria CCJ e os parlamentares
tinham para manter o projeto engavetado foi derrubado pela principal corte de
justiça do país.
Assim, o movimento deve deflagrar uma campanha
imediata pela retomada desse projeto e sua aprovação total, no Congresso e na
presidência. O outro viés dessa campanha é dirigido às universidades, que têm
autonomia para implementar tal política, a partir de suas reitorias e
conselhos. Algumas já implantaram com grande sucesso, o que inclusive embasou a
apreciação do STF. Mas outras não, como as do estado de São Paulo, uma grande
ilha de conservadorismo e racismo no país. É o estado mais rico, mais desigual
e mais racista do país. Tanto USP como UNESP e Unicamp já declararam dias
depois do julgamento do STF que não adotarão cotas, pois esse não é um critério
satisfatório. Não aceitam e não querem adotar.
Correio da Cidadania: São muitos os estudiosos e
intelectuais que, em postura diametralmente oposta às críticas e
racionalizações de cunho preconceituoso, são contrários à política de cotas,
uma política que conformaria uma ‘discriminação positiva’, que apenas maquiaria
a exclusão social inerente ao modo capitalista de produção. Não viria,
portanto, de encontro efetivo aos princípios básicos de igualdade, pelo contrário,
naturalizando a segregação social. O que pensa disto?
Douglas Belchior: É
exatamente o contrário. Nossa avaliação é contrária a essa. Quando se assume
que o Estado teoricamente democrático como o nosso, em que as políticas
universais sempre foram implementadas, desde o início da República, ainda
possui um recorte de desigualdade racial desse tamanho, está se expondo o
problema; ao se ter uma política que visa equacionar o problema, expõe-se, como
eles dizem, o capitalismo como monstro sugador e destruidor de seres humanos,
inclusive no modelo vigente de democracia. A política de cotas não maquia nada,
ao contrário, expõe o problema. Só é possível implementar tal política a partir
do momento em que se assume que a política universal não dá conta, que há ainda
uma desigualdade profunda.
Para nós, esse argumento está invertido. O racismo
para nós é o elemento estruturante da desigualdade social do Brasil, fato que
não é enfrentado nem pela direita nem pela esquerda. Aliás, a direita sabe
disso, sabe o quanto o racismo é explosivo e mobilizador de massas.
Pensamos que, quanto mais política de cotas se faz,
mais os negros vão ocupar lugares que nunca ocuparam. E mais, o racismo vai
aparecer, porque, se os negros passam a ocupar lugares inéditos, estranhos a
eles e aos demais, vai acontecer mais discriminação e o racismo deixará de ser
velado. Ao aparecer, gera o conflito, e tal conflito também é de classe. É isso
que aqueles que defendem a luta de classes deveriam reivindicar. A negativa do
conflito de raças contribui para a negativa do conflito de classes. É esse
entendimento que a esquerda brasileira tem dificuldade de alcançar. Na verdade,
o debate racial é fundamental, em favor do povo brasileiro, dentro da luta de
classes.
Correio da Cidadania: Mas, neste sentido, um
aspecto essencial das críticas destes estudiosos à política de cotas diz
respeito ao fato de que ela desfocaria o movimento negro, e a própria classe
trabalhadora, precisamente da luta maior e mais significativa desta classe,
aquela que deve se voltar contra o sistema capitalista, o responsável maior
pela opressão e discriminação.
Douglas Belchior: Pelo
contrário, essa luta fortalece a classe trabalhadora, à medida que expõe o
problema e coloca negros, majoritariamente pobres da classe trabalhadora, nos
espaços da contradição. É isso que servirá de combustível para a revolução
brasileira: o povo se rebelar conforme percebe que essa democracia é mentirosa,
que não basta estar inserido nela de forma rebaixada. É um combustível que
devemos alimentar.
Correio da Cidadania: Você não acredita, de todo
modo, que a luta pelo ensino universal, gratuito e de qualidade, assim como
pela igualdade e justiça social, possa, de alguma forma, perder espaço com esse
e outros debates de políticas segmentadas?
Douglas Belchior: Não,
pois em nenhum momento o movimento negro contrapôs a necessidade de se investir
na educação como um todo, desde a base, às políticas de ação afirmativa. Isso é
uma criação daqueles que defendem o contrário às cotas. A defesa do movimento
por ações afirmativas, como as cotas, sempre vem acompanhada pela defesa de
investimentos e prioridade à educação. Isso é argumento de quem quer criar
subterfúgios para não defender cotas.
O fato é que as políticas de cunho universal já são
implantadas há mais de 100 anos no país. E não deram conta. Não dá pra esperar
o socialismo para garantir que o negro tenha acesso à universidade, pelo amor
de deus! Para nós, é descabida tal afirmação. Quando defendemos cotas nas
universidades, estamos garantindo lugares para pobres e filhos de trabalhadores.
A chance de colocar pobre na universidade é de 100% através desse artifício.
Quando as cotas não são raciais, abre-se precedente para que os mais pobres
tenham mais dificuldades de entrar. É o que acontece no Prouni, por exemplo.
Tem cota pra negro, índio, deficiente, e tem cotas voltadas aos estudantes de
escolas públicas, sem recorte racial. Mas aqueles que entram na universidade,
provenientes das escolas públicas, não são os mais pobres da escola pública.
São aqueles um pouco mais preparados, com um pouco mais de condições ao longo
da vida. E sabemos que o perfil deste público não é o mais precarizado. Tanto é
assim que ainda se faz necessário o recorte racial.
Se pegarmos os dados do próprio IBGE, conferimos
que 72% da população mais pobre do país é negra. Como os camaradas marxistas e
de esquerda não vão defender cotas? Pelo amor de deus. A pobreza no Brasil tem
cor, é caracterizada pela pele preta. Não tem jeito.
Correio da Cidadania: O que diria sobre o exemplo
da África do Sul pós-apartheid, citado por correntes críticas às cotas raciais
como um exemplo da manutenção das opressões de classe, mesmo com o fim da
segregação étnico-racial?
Douglas Belchior: É
um paralelo complicado de ser feito, porque em todas as sociedades existe uma
lógica de cooptação da classe trabalhadora promovida pela burguesia. No Brasil,
existem experiências de trabalhador que chegou ao poder e depois oprimiu o
próprio colega trabalhador. Isso não é exclusividade da população negra, pois
está colocado na sociedade em geral. Essa colocação chega a ser maldosa, no
sentido de desqualificar o debate da luta racial no Brasil, que tem uma
especificidade única no mundo. Trata-se do maior caso de escravidão da
humanidade, quase 400 anos.
Temos uma situação de pós-abolição, República e
democracia que não garantiu as condições de cidadania dessa população. Temos a
terceira maior comunidade carcerária do mundo e a maioria esmagadora dessa
população é negra. A polícia mata três vezes mais preto do que branco no
Brasil. Enviesar o debate fazendo comparações com a África do Sul esconde que o
problema não ocorre pelo fato de serem negros, e sim pelo fato de o homem
explorar o próprio homem.
É o mesmo perigo de pobres entrarem na universidade
e reproduzirem a mesma lógica do sistema sobre os demais. O problema não está
em serem ou não negros os beneficiários, e sim no modelo de sociedade. Os
progressistas não conseguem mudar a correlação de forças no país, ora. Estamos
perdendo a luta de classes no país há muito tempo, sem hegemonia, unidade. Não
é problema racial, e sim social.
Não dá pra aceitar essa colocação, é maldosa,
descabida, sem fundamento. Se fosse fácil assim, o país viveria outro momento.
Tivemos oito anos de governo Lula, agora Dilma, anos e anos de partido de
esquerda e de trabalhadores, e o que de fato mudou na correlação de forças
entre o capital e o trabalho no Brasil? Nada. E eu vou cobrar o Lula por ser
nordestino ou a Dilma por ter sido guerrilheira? Não tem cabimento, a lógica
não é essa.
Correio da Cidadania: Mas ainda assim a
concentração de tanta energia na luta pela consolidação das cotas não distrai o
movimento de outras lutas igualmente prementes, uma vez que, no final das
contas, só uma ínfima parte da população negra irá acessar a universidade
pública?
Douglas Belchior: O
que deu muita direção ao movimento negro nos últimos 10, 12, anos foi o debate
em cima das cotas, porque a burguesia enfrentou muito essa política, é a luta à
qual ela mais se opôs. Agora estamos em outra luta muito importante, pela efetivação
da lei 10.639, que institui o ensino de História da África nas escolas. É uma
luta difícil, porque é cotidiana. O Estado não propõe, não treina, não capacita
profissionais, a universidade não forma educadores nesse sentido, portanto,
fica muito a cargo do movimento negro preparar seus quadros e colocar tais
conhecimentos em prática. O Estado não investe, não efetiva esse ensino. E a
outra frente é a luta contra a violência, contra o que chamamos de genocídio da
juventude negra, através da ação violenta da polícia dirigida a essa porção da
juventude e dos negros. Temos vários números e estudos que atestam isso.
Uma luta leva conseqüências à outra. Nunca fazemos
debates descolados. Por um lado, temos direitos legais, direito à universidade,
escola de qualidade, moradia, saúde pública, oportunidade no mercado de
trabalho; por outro lado, temos a ação violenta do Estado, que reprime o povo
que mora na rua, não tem casa, sofre com o vício em drogas, o povo que por
falta de alternativa e chance no mercado entra na criminalidade. Se, por um
lado, o Estado nega direitos, joga na marginalidade uma grande população, por
outro lado, o braço armado do Estado faz a limpeza étnica: ou mata ou prende.
O debate nunca é descolado. A política de ação
afirmativa, de cotas em universidades, em concursos públicos, em empresas, na
mídia, é uma forma de desafogar uma parte dessa população que costuma ser
jogada na marginalidade, que será reprimida pelo poder armado do Estado. Uma
coisa não é deslocada da outra, ambos os debates seguem na linha de frente do
movimento.
Correio da Cidadania: Dados oficiais da República
atestam que os afro-descendentes já se afirmaram como 50% + 1 da população,
portanto, índice muito acima do que se pretende reservar a eles nos bancos das
universidades públicas. O que você diria sobre essa aparente contradição, ainda
é possível avançar mais sobre ela?
Douglas Belchior: Não
tenho dúvidas, pois ainda existe gente que discute a questão racial como
problema de minoria, o que não é verdade, pois somos uma maioria. Uma maioria
oprimida por um sistema estrutural e culturalmente racista. Grande parte da
população é educada nessa sociedade de forma que reproduz mentalidades e
discursos de uma sociedade racista.
De toda forma, existe um padrão na reivindicação da
política de cotas, que está estabelecido no projeto ora engavetado na CCJ do
Senado: que a cota seja, no mínimo, proporcional à presença negra nos estados
da federação. Desse modo, caso aplicada tal norma, as universidades públicas de
São Paulo teriam de obedecer a uma cota de aproximadamente 30%, de acordo com
os dados do IBGE. Esse número variaria de acordo com os dados oficiais de cada
estado. Na Bahia seria uma proporção bem maior; no Rio Grande do Sul e Paraná,
menor. Basta aprovar a lei.
Correio da Cidadania: Como analisa, de um modo mais
amplo, as políticas de promoção da igualdade étnica e racial, além da luta
anti-racista, nos últimos governos?
Douglas Belchior: Avançamos
pouco. É verdade que avançamos, não se pode negar, mas não muito. O governo
Lula e agora Dilma deram alguns passos importantes, mas que não saíram do
patamar simbólico. Temos dois grandes exemplos: primeiro, a lei 10.639, acima
citada, que se não me engano foi a primeira sancionada pelo Lula, em 2003. É
uma lei federal, uma luta histórica do movimento negro, conseguimos essa
vitória muito importante. Até que a lei se concretize é outro processo, uma vez
que não percebemos o Estado brasileiro, em diversos níveis, se empenhar no
sentido de tornar essa lei uma realidade.
Outro símbolo deste momento é o Estatuto da
Igualdade Racial, aprovado de maneira esvaziada, diferentemente da maneira que
o movimento negro reivindicou. Apenas orienta, não determina, não garante
implementação de políticas de ações afirmativas, não assegura as cotas com
força de lei, esvazia a luta da população negra por saúde pública. Não previu
cotas, por exemplo, na mídia, outro espaço extremamente embranquecido, formador
de uma consciência racista que, mesmo assim, não sofreu uma interferência consolidada.
Portanto, apesar de evidentemente percebermos
avanços, porque a política de governo propõe avanços, não tivemos políticas de
Estado que nos dêem confiança de que tudo irá se consolidar.
Correio da Cidadania: No que se refere ao governo
atual, como o movimento negro enxerga a Secretaria de Promoção de Políticas de
Igualdade Racial (Seppir) e o papel até agora desempenhado?
Douglas Belchior: Considerando
que o povo negro perfaz maioria absoluta da população brasileira, a Seppir
tinha de ser um Ministério prioritário, com recursos de primeiro nível. Tinha
que ser um Ministério do patamar do Ministério da Saúde, Educação, do Trabalho.
E não é o que vemos. É um órgão que tem recursos limitados, ações limitadas,
pessoal limitado, e que infelizmente tem uma política muito partidarizada, não
consegue fazer ações coincidentes em todo o país.
O resultado disso nós vemos, por exemplo, nos
parcos resultados a respeito da titulação das terras quilombolas, onde a
população remanescente de quilombos no país, mesmo após 10 anos de governo de
esquerda, não tem sequer o direito à terra garantido. Assim como a reforma
agrária, sem dúvidas, andou menos do que poderia e deveria, a titulação de
terras quilombolas também andou muito pouco.
Correio da Cidadania: E agora se tenta, inclusive,
uma ofensiva no Congresso contra essas populações, através da ação da bancada
ruralista, com a PEC 215, que visa transferir do Executivo ao Legislativo (ou
seja, da presidência para o parlamento habitado pela vasta bancada ruralista) a
capacidade de titulação de terras indígenas e quilombolas.
Douglas Belchior: Sem
dúvidas, estamos sendo muito atacados, e o governo segue uma lógica permissiva
com o agronegócio. De novo vemos os negros perderem muito com isso. E de acordo
com o último censo agrário, a maioria da população do campo também é negra. O
problema da titulação das terras quilombolas e também da reforma agrária
atinge, portanto, majoritariamente a população negra.
Correio da Cidadania: Não poderia existir uma maior
articulação do movimento negro nas cidades com esses povos quilombolas,
originários? Isso não fortaleceria toda a luta conjuntamente, talvez reforçando
a própria consciência histórica e cultural dessa imensa maioria de negros que
vive no Brasil urbano?
Douglas Belchior: O
movimento negro ainda não conseguiu se afirmar como um movimento articulado
nacionalmente. Infelizmente, vemos muita partidarização dos movimentos, que,
assim como no campo sindical, atrapalha a articulação das lutas. E infelizmente
não se consegue perceber o papel fundamental do racismo ideológico no sentido
de nos articular.
Mas como podemos não ter luta racial em nível
nacional como, por exemplo, têm as mulheres – que, mesmo com toda a
partidarização, conseguiram alcançar alto patamar de organização? Assim, elas
conseguiram pautar coisas importantes no Brasil, grandes mobilizações em escala
nacional. E isso o movimento negro ainda não conseguiu, muito por conta de
subserviência a partidos e projetos partidários que nem de longe são dirigidos
por nós ou possuem nossa mentalidade.
Os partidos políticos no Brasil, da direita à
esquerda, permanecem funcionando numa lógica eurocêntrica. Poder eurocêntrico e
maneira de ver o mundo eurocêntrica. Não respeitam nossa ancestralidade, nossa
cultura. E o movimento negro acaba sendo subserviente, limitando-se à ocupação
de setoriais, de partidos e governos.
Valéria Nader, economista, é editora do Correio da
Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
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